domingo, 25 de março de 2007

SOBRE A APRESENTAÇÃO DO 2.º LIVRO DE POESIA "UMA DEVASTAÇÃO INTELIGENTE" DE SARA F.COSTA (22.03.2007)


"UMA DEVASTAÇÃO LÚCIDA"

Foi com um enorme orgulho no peito e felicidade no coração que estive presente na sessão de apresentação do segundo livro de Poesia da minha amiga Sara Costa (perdão: Sara F.Costa) "Uma Devastação Inteligente" (Atelier Edições, 2007), naquela quinta-feira enevoada, dia 22 de Março de 2007, pelas 21H30, na Biblioteca Municipal Dr. Renato Araújo em São João da Madeira.

O auditória da biblioteca da minha terra estava completamente lotado. Entre os presentes, estavam os seus pais, familiares próximos e afastados, antigos colegas, amigos e conhecidos e, claro, o seu velho amigo de sempre Luís de Aguiar, acompanhado pela sua outra amiga, Diana Santos, ex-membros do Grupo Poético Oliveirense. Travei algumas amizades com algumas caras conhecidas - umas mais recentes, outras, de longa data -, que já não via há algum tempo. Entre elas, destaco o meu amigo Rui Guerra (A.E.J, 1986/89) e do Paulo Bastos (Gimnofísico, 1994/95), o Professor Josias Gil, o vice-presidente e vereador da Cultura da Câmara Municipal de São João da Madeira, doutor Rui Costa, o nosso mais recente (grande) escritor e poeta Martz Inura (Pseudónimo de Emídio Ferreira de Aguiar) e, the last but not the least", a estrela da noite, Sara F.Costa, que não só troquei uns breves dois dedos de conversa como também enalteci a sua beleza e elegância nessa noite. 

O livro em questão foi a primeira obra reconhecida pelo Prémio Literário João da Silva Correia, lançado pela Câmara Municipal de São João da Madeira no ano passado e que, através dele, "pretende promover e consolidar hábitos de leitura e escrita criativa", além de incentivar o aparecimento de novos talentos literários.

Rui Costa, em representação do presidente da edilidade, o doutor Castro Almeida, assim que tomou o uso da palavra no acto de apresentação pública do novo poemário da Sara, teceu rasgados elogios à jovem escritora e aproveitou a ocasião para justificar a criação do prémio literário, que tem como patrono a figura de João da Silva Correia um reconhecido vulto da vida cultural da cidade.

A apresentação de "Uma Devastação Inteligente" foi levada a cabo pelo Professor Josias Gil, membro do júri que decidiu atribuição de tão significativo galardão. Depois de mostrar a sua satisfação por este evento citadino. Aquele orador reconheceu que a criação de concursos literários dá oportunidade a muitos escritores vejam nos escaparates as suas obras "porque as editoras não apostam, com facilidade, em autores desconhecidos (sic)". Josias Gil também salientou o "sentido demiúrgico desta obra",explicando "Se Deus criou o mundo pelo verbo, o poeta também o recria pelo verbo". Acrescentou também que "Neste texto, há um acto fundador de uma existência única com a realidade". E continua: "Ao ler aqueles versos, senti que havia ali uma pessoa muito especial, com uma atitude ousada, empreendedora e criativa, face ao mundo e a si própria."

Nesse sentido, o Professor Josias Gil afirmou não estar perante uma "colectânea de versinhos" mas sim, perante um manifesto existencial de alguém que não se conforma com a banalidade, com a rotina e consigo própria.

Para o filósofo e professor sanjoanense, o título da obra premiada transmite "a ideia de um mundo onde há tanta mediocridade, tanta imitação do pior, a tal ponto que uma devastação inteligente ganha um especial relevo." 

Ao terminar a sua intervenção, e numa visão profética mostrou a sua convicção de que "A Sara vai ser uma grande escritora de Poesia no futuro."

No final, a Sara brindou os presentes com a declamação de três dos muitos poemas que povoam a sua obra.

Parabéns (mais uma vez) Sara!

Tiago Moita.

Deixo-vos um poema deste (fabuloso) poemário:


"Há uma árvore no início de cada presságio"


"Há uma árvore no início de cada presságio
e um fogo intermitente a talhar a árvore.
Há diálogos rasgados
entre as pedras e as estrelas.
Há um lugar próximo do esquecimento
que se move na saliva vermelha 
dos espelhos."

SARA F.COSTA
"Uma Devastação Inteligente"
Atelier Edições
2007

domingo, 18 de março de 2007

UM OLHAR SOBRE O PASSADO: A APRESENTAÇÃO DO PRIMEIRO LIVRO DE POESIA DE SARA COSTA (10.12.2004)




A MELANCOLIA, SEGUNDO SARA COSTA

A melancolia não escolhe tempo ou lugar para expressar a majestade da sua magnitude e a beleza da sua ruína. A expectativa era tão grande naquela noite de sexta-feira, dia 10 de Dezembro de 2004, quanto a afluência do público que se deslocou à Biblioteca Municipal Dr. Renato Araújo em São João da Madeira, para assistir à sessão de apresentação do primeiro livro de Poesia da minha amiga poeta Sara Costa "A Melancolia das Mãos e Outros Rasgos" (Pé de Página Editora, 2004). Grande parte das pessoas já se encontravam dentro do edifício. Apenas alguns amigos da Sara ficaram na imediações.

A sessão contou com a presença de muitos familiares, colegas da Escola Secundária Serafim Leite, amigos, conhecidos e alguns curiosos, ansiosos por assistir à apresentação do primeiro livro da jovem poeta. - Por momentos julguei ver, entre os presentes, o célebre poeta Manuel António Pina. Infelizmente, tudo não passou de um mal-entendido.

A sessão contou com a ausência forçada (e misteriosa, naquela altura) do Dr. Manuel Córrego (Pseudónimo literário do Doutor Manuel Pereira da Costa, o maior e mais ilustre escritor contemporâneo sanjoanense) e a presença do doutor Rui Costa, vice-presidente da Câmara Municipal de São João da Madeira e vereador da Cultura, que congratulou a edição da primeira obra de Sara Costa bem como a vitória que obteve no Prémio Literário que permitiu a sua edição. 


Logo após a intervenção do autarca, segui-se a vez do doutor Rui A.Grácio, director da Pé de Página Editora tomar a palavra para falar um pouco mais da autora e da sua primeira obra, passando logo de seguida a palavra para a doutora Isabel Vaz, directora da Cooperativa Editorial "Arte-Viva", que não só se limitou a falar do mesmo que falaram os anteriores interlocutores como salientou o facto curioso de esta jovem poeta ter ganho o Prémio Literário Serra da Lousã - prémio que garantiu a publicação do seu primeiro poemário - com apenas...15 anos (!) Um caso inédito mas nada insólito na literatura universal.

O seu amigo e poeta Oliveirense Luís de Aguiar foi quem fez, na minha opinião, o melhor discurso da noite. Fez uma análise analítica e tecer rasgados elogios e comentários positivos e construtivos à obra da sua amiga, considerou o seu primeiro livro de Poesia "interessante", entre outros aspectos, e - pasme-se - fez uma comparação do percurso da poeta com o poeta do (grande) poeta francês Artur Rimbaud. A Sara, por motivos, na altura, desconhecidos, limitou-se a fazer os agradecimentos da praxe.

Segundo a poeta, numa declaração que fez ao jornal semanário sanjoanense "Labor", o seu livro não está enquadrado numa temática específica. Para Sara, a nudez dos seus poemas são uma manifestação de símbolos e a personagem principal do seu livro é o sujeito lírico, uma espécie de vulto que se movimenta entre emoções altamente instáveis para a "poetizar" os elementos mais prosaicos do quotidiano. O título escolhido - extraído de um poema do livro "Sem Título e Bastante Breve" de Al Berto - deveu-se ao facto de Sara Costa entender que as mãos serem responsáveis pela maioria da laboração humana concreta, tanto da mais trivial como da mais sublime, e, por isso, a poeta entende que transportam consigo uma certa melancolia. Relativamente aos "Rasgos" explicou o seguinte: "São os poemas que acrescentou posteriormente."

Para terminar, Sara declarou que, neste poemário, apresentou uma visão bastante pragmática acerca da inspiração. A poeta chegou mesmo a afirmar que "não é defensora nem acredita na existência de uma inspiração que transcende o homem" e que "escreve porque o universo literário me estimula intelectualmente e escrevo sempre que tenho tempo", concluiu.

Deixo-vos com um dos poemas e a capa do livro da minha amiga.

Parabéns Sara!

Tiago Moita.


"O AZUL DAS SOMBRAS"

Não sei se foi a tonalidade azul do meu corpo
tingido pelo teu olhar 
ou os segredos de lâmina 
que te queimavam as feições vítreas.

A verdade é que todos os gestos se calaram à tua passagem
mas, ainda assim, eu sabia da existência de um timbre negro 
que fervilhava à mesma altura dos sonhos.

A partir daqui nenhuma lágrima teve o feitio de antes
e só consigo escrever letras agudas
as que isolam o passado da vida.

Comparo a escrita a uma caneca de vinho
que destila memórias
até que estas tenham a dimensão de um silêncio estreito.

Deixei um recado aceso no teu sono 
porque a música acabou antes da noite
e nuca mais falaremos um do outro.

Fecho-me em casa a praticar uma arte marcial desconhecida.
Sei que o mundo desliza delicadamente para os jornais
e isso basta-me.

Pega num pedaço destes versos e coloca-o junto aos ouvidos:
é por baixo desta paixão áspera 
que te dedico o meu terror.

As pálpebras gritam o peso de um oceano.

O mundo fuma a minha morte.

SARA COSTA
"A Melancolia das Mãos e outros rasgos"
Pé de Página Editora
2004

quinta-feira, 15 de março de 2007

"E A EXISTÊNCIA INDIVIDUAL" - UM CONTO DE SARA F.COSTA


"E A EXISTÊNCIA INDIVIDUAL"


Nota da autora do conto: O actual texto é puramente fictício assim como a existência de do país "Gronos". As eventuais referências a figuras públicas, produtos ou serviços não pretendem desacreditar qualquer companhia ou entidade.


"Em Portugal, nada acontece, "não há drama, tudo é intriga e trama".

Escreveu alguém num grafitti ao longo da parede de uma escadaria de Santa 

Catarina que desce para o elevador da Bica."

José Gil em "Portugal, Hoje: o Medo de Existir"


Só ao quarto abraço consecutivo é que Ana reparou nas pontas espigadas do comprido cabelo pintado da mãe. Esteve quase para comunicar esse reparo, mas depois pensou que talvez não fosse muito importante. Ela iria dar por ela de qualquer maneira. No limite da situação, viu a irmã como refúgio. A irmã iria alertar a mãe quanto aos cabelos espigados.

Foi com esse reconfortante pensamento que disse o último "Eu telefono!" e entrou no táxi que a levaria ao aeroporto.

Pelo caminho reparou numa publicidade muito gira que dizia que as pessoas com personalidade forte compravam um BMW Z3. Ela gostou de ler porque era essa precisamente a marca do carro dela. E ele gostava que lhe dissessem que possuía uma personalidade forte.

Mais à frente, um enorme placar publicitário apelava à mudança de vida - “Mude a sua vida para melhor!” aparecia em letras garrafais - e um homem com bom aspecto, de fato e gravata, ostentava uma garrafa de champanhe Christine Van Der Hard numa limusina entre duas mulheres vestidas com um glamour exagerado, enfiadas em vestidos possivelmente Gucci (por causa do corte). 

A vida de Ana sempre correu dentro da normalidade - dentro dos trilhos que ela definia como normalidade - e isso deixava-a satisfeita. Tirou a licenciatura de gestão nos quatro anos previstos e tem já um cargo administrativo numa empresa (a do pai). Trata-se de uma empresa de produções audiovisuais. Receberam uma encomenda de uma estação televisiva privada que pretende a realização de uma série semelhante a uma que passa num país chamado Gronos, onde alcança um sucesso extraordinário. 78% de share. Algo mítico, utópico para um país como o de Ana. Assim, Ana dirige-se a Gronos a fim de estabelecer contacto com os autores da aclamada série e tratar das negociações referentes aos direitos de reprodução.

 Não conhecia de lado nenhum o país para onde iria passar o próximo ano em trabalho. Sabia apenas que era um país pequeniníssimo situado numa ilha. Era uma espécie de país-cidade. Quando lhe falaram pela primeira vez em viajar para Gronos lembrou-se de ter visto há uns tempos uma notícia na televisão sobre tal país. O jornalista relatava uma nova forma de manifestação artística provinda de lá que consistia numa exteriorização interventiva na paisagem, uma espécie de Land Art mas sem a obrigatoriedade do carácter ecológico e consequentemente efémero. Os artistas faziam propostas para determinado espaço e caso fossem aprovadas tinham a ajuda do estado para a execução. Um jornalista entrevistou o ministro da cultura desse país e questionou-o acerca daquela prioridade dada ao plano artístico, ao que este respondeu “A arte sempre foi isto - interrogação pura, questão retórica sem a retórica - embora se diga que aparece pela realidade social”. Claro que esta notícia só passou depois das 21h, depois do homem que matou o vizinho a tiro, dos mortos no Iraque e dos conflitos inter e intra partidários.

O avião em que seguia não era dos melhores. Tratava-se de uma companhia classificada como média em termos da qualidade do serviço. Contudo, era a única que disponibilizava aviões para Gronos naquele dia e àquela hora. Ana não teve outra hipótese. O avião era pequeno e inestético. Amarelo berrante com azul-escuro. As empregadas também eram ligeiramente antipáticas apesar de que uma delas, a brasileira, até estava bem apresentada com blusa e saia Animale, sandálias Corello, um anel Luiz Carlos Okubo, brincos Natan, colar Renner, cabelo com tintura da Cats Hair e nitidamente maquilhada com produtos da VenVert. Contudo, era visível que não executavam limpezas entre voos. Havia guardanapos e pacotes de sumo debaixo dos bancos. Mas o mais inaceitável eram os bancos todos riscados na parte de trás. Alguns com canetas de feltro, outros simplesmente com chaves ou moedas. Nas costas do banco imediatamente à sua frente, Ana conseguia ler nitidamente “O homem é a criatura que, para afirmar o seu ser e a sua diferença, nega”. Absolutamente asqueroso, pensou. Entretanto abstraiu-se da imundice do avião e recostou-se no seu lugar a ouvir o último álbum dos U2 no novo telemóvel Nokia N90 Imaging Smartphone com um adaptador leitor de mp3 IRIVER PMP120 de 30 Gb. O livro da Margarida Rebelo Pinto também ajudou a passar o tempo. 

Estava Ana a ler a descrição da saia Miguel Vieira de uma personagem que acabava de surgir na trama quando o avião se preparava para aterrar. 




Apanhado um táxi para o apartamento que lhe tinha destinado a empresa, a acomodação foi fácil e o apartamento alugado continha um refinamento muito próprio, exótico, delicado. Contudo, Ana não conseguiu saber de quantas estrelas era o hotel, visto que em Gronos não fazem esse tipo de diferenciação. Assim que se viu instalada, telefonou ao namorado, Marco. Ele está a tirar um mestrado em ciências económicas. Frequenta o ensino universitário há cerca de doze anos. O pai é dono de uma grande empresa de equipamento. “O Marco é riquíssimo e giríssimo”, pensa Ana para si com frequente regozijo. Não o diz às amigas como seria sua vontade, prefere conter-se porque sabe que isso iria fazê-la parecer uma pessoa excessivamente frívola. Recorda-se perfeitamente da noite em que o conheceu naquela distinta discoteca com o seu Smoking, € 673.86. Camisa, € 373.00. Laço, € 235.00. Botões de punho, € 470.00. Tudo Rosa & Teixeira. Botins, D&G na My God € 629.00. Tudo perfeitamente impecável e ele falava acerca dos seus pequenos projectos. 

Ana telefona-lhe. 

- Olá ‘mor! 
Olá Aninha! 
- Era só para te dizer que cheguei bem, já estou instalada… 
- Ah, óptimo! - E tu, como estás? 
- Estou bom… 

- Que estavas a fazer? 
- Oh, nada de especial… Estava a ver um catálogo de centros de bronzeamento com vista panorâmica… então e o hotel aí, é bom? 
- O ambiente é agradável… mas não sei como serão os serviços… não me parece um hotel muito convencional… 
- Também não é muito tempo, pois não? 
- Não… - Olha, querida, agora vou ter de desligar que o Carlos vem-me buscar para irmos ao ginásio… beijinhos! 
- Está bem, ‘mor. Telefona-me! 



Quando desligou o telefone, Ana apercebeu-se da falta de algo no quarto. Uma falta causadora de um vazio inefável. Durante uns minutos moveu-se dentro daquela sensação desguarnecida sem conseguir identificar o motivo gerador daquele abafo. Até que se apercebeu: não havia espelhos naquele quarto.

Foi com um pequenino espelho existente no kit de maquilhagem que Ana conseguiu ornamentar os olhos com o eye liner Carolina Herrera e sombra Giorgio Armani assim como o rímel Lancôme. Dessa forma pôde dirigir-se tranquila e segura para o jantar com os produtores da tal série. O restaurante não ficava longe do hotel. O recepcionista, um homem com feições orientais e voz áspera mas muito solícito, tinha-lhe dado as instruções claras para encontrar o restaurante sem equívocos.

Foi ao caminhar ao longo das pacatas ruas de Gronos que Ana começou a antever indícios de uma ambiência cultural absolutamente distinta daquela de onde veio. As filas de casas pelas quais passou possuíam uma arquitectura peculiar e tinham todo um toque de singularidade apesar da nítida preocupação urbanística que as tornava harmoniosas na sua concepção unitária. Pelo caminho passou por um homem que apesar do aspecto normal, remexia num caixote do lixo. Ana considerou aquela situação asquerosa e dirigiu-se ao homem: 

- Do que é que você anda aí à procura? – Perguntou Ana com um polvilho de indignação na voz. Ao que o homem respondeu: 
- Ando à procura do sentido da vida menina… 

Aquela gente não era normal, pensava Ana com a sua Camisa em chiffon com fitas de seda, € 495.00, Alessandro Dell Acqua e Calças de smoking, € 432.00, Gianfranco Ferré. Tudo na Loja das Meias. Anéis em topázio e pérolas, € 2244.00, Mimi. Quase tudo presentes do Marco. Ignorando o homem, prosseguiu até encontrar o restaurante. 

Ficou bastante vacilante em entrar. Mas as cortinas de palha aparentemente suspeitas, escondiam uma ambiência cujo primor era inegável. A decoração era extravagante mas apelava à depuração, à mansidão. Quase tudo vidros que tapavam pinturas abstractas. Vidro a cobrir pinturas abstractas no chão. Vidro a cobrir pinturas abstractas nas paredes. Vidro a cobrir pinturas abstractas no tecto. Mas tudo conjugado numa harmonia envolvente. E Ana, que até nem gostava nada de arte abstracta, não desgostou. Contudo, estavam poucas mesas ocupadas àquela hora e não lhe pareceu ver ninguém que correspondesse à descrição que trazia dos produtores com quem iria estabelecer contacto. Assim, aproveitou para ir à casa de banho. 

A casa de banho não destoava do resto do restaurante em termos decorativos. E, pela primeira vez em Gronos, um espelho! Ana pôde assim colocar-se em várias posições e apreciar a sua figura. Era de perfil que ela conseguia verificar melhor a forma como a roupa estava assente no corpo. Algumas peças precisavam de ser reajustadas com deslocações suaves. Entretanto, dirigiu-se a um cubículo possuidor de sanita a fim de satisfazer necessidades fisiológicas. Dentro do cubículo apercebeu-se da entrada de duas raparigas na casa de banho e inevitavelmente ouviu a conversa que mantinham entre si.

- Que estás a fazer? – Pergunta uma voz de timbre áspero. 
- Estou a ver-me ao espelho. - Responde uma voz aguda e melódica. 
- Até que ponto achas que ele retribui a tua imagem? 
- Não entres em problematizações grotescas. É óbvio que retribui a minha imagem porque existe luz e o espelho se trata de uma superfície reflectora. 
- Ah, não, mas a questão é… Será que a imagem que tu vês de ti é a que os outros vêem? No sentido em que perante um espelho geras uma situação dominada pelo articialismo, uma situação de isolamento… Tu não te vês inserida em determinado contexto, vês-te com a ânsia de te veres e não espontaneamente. Até que ponto a visão de ti que ele te dá pode ser fiel? 

Ouve-se a porta a abrir. Entra um terceiro elemento. Ana puxa as calças, sai do cubículo e dirige-se para o lavatório no intuito de lavar as mãos. O terceiro elemento é uma senhora gorducha com o cabelo laranja e a roupa verde alface. Dirige-se para o cubículo. As raparigas são elegantes, usam roupas suaves, têm compridas rastas aloiradas e Ana procura perceber se estarão pedradas. Mas não consegue. A conversa entre as duas prossegue. A rapariga de voz melódica é a mais baixa.

- Estou a ver o teu ponto de vista… No fundo o que queres dizer é que a imagem se altera em função de um encadeamento. A imagem insere-se em ocasiões. As ocasiões são-nos exteriores e consequentemente incontroláveis. O espelho reflecte uma porção daquilo que somos ou viremos a ser, dá-nos um indício, uma impressão… mas nunca a verdade. 

A mulher de verde alface sai da casa de banho. Dirige-se às raparigas enquanto carrega num botão de onde extrai sabonete líquido. Aparentemente não se conhecem.

- Então, mas vamos lá ver, uma só imagem não pode sofrer variações assim tão acentuadas mesmo estando inscrita em contextos diversos… 
- Pois não – responde a rapariga de voz monocórdica – contudo, não é só esse o factor das intercorrências. Há uma margem de autonomia dada à subjectividade do sujeito. 
- Sempre a subjectividade! – Lamenta-se a senhora. 
- É verdade, minha senhora, é verdade! – Assina a voz áspera. 

A senhora sai da casa de banho. Ana faz o mesmo com a sensação de que o entendimento de alguma coisa lhe escapou. Ao sair da casa de banho Ana conseguiu discernir dois homens no canto superior esquerdo do restaurante que se enquadravam no registo mental que possuía do que lhe tinham descrito. Um homem com os seus setenta e tais, careca no centro da cabeça, uma barba descuidada a cair por todos os limites da cara fumava um cachimbo que parecia ter sido trabalhado artesanalmente. Estava descontraidamente a observar a estranha pintura abstracta (com muitos riscos, manchas e assim) que se encontrava imediatamente à sua frente. O outro rapaz era mais jovem, nos seus trinta e poucos. Não tinha barba, não tinha careca. Um corte corriqueiro adornava-lhe a face enxurrada de uma jovialidade enjoativa. A camisa azul clara com riscas ligeiramente mais claras, ficava-lhe minimamente decente apesar de se perceber nitidamente que a roupa não era de nenhum estilista.

Ana aproximou-se da mesa daquelas duas personagens.
- Boa noite! Encontro-me na presença do senhor T. e do senhor K. ? 
- Com certeza, menina! Sente-se! – Disse calorosamente o mais novo. Ana sentou-se ao lado de T. (o mais novo) situando-se na diagonal de K. (o mais velho). 
- Então… Diga lá… Portuguesa, não é assim? – Inquire com uma voz arrastada e descontraída (a tocar o ‘apática’) o senhor K.
- É verdade. – Mas este ‘é verdade’ ficou abafado quando os dois pareceram desaguar num diálogo privado. - Que achas de Portugal, T.?
- Não é mau… - O Manual dos Inquisidores, lembras-te? 
- Ah! Esse manual dos inquisidores… - Havia uma divergência de atitude, de energia, dir-se-ia, entre os dois. O jovem G, todo ateado, falava à medida do pensamento, como se tivesse aberto a cabeça e lhe estivéssemos a ouvir os pensamentos à medida que eles circulavam naturalmente pela elasticidade da sua eloquência, enquanto que K. era mais reservado, escolhia as palavras. De qualquer forma, para Ana, ambos surgiam como lunáticos, psicopatas destrambelhados, sim porque destrambelhado é um daqueles adjectivos que não são adaptáveis a qualquer pessoa, não! É preciso ter-se um aspecto especialmente sádico e uma veemência expurgada a dirigir-se para um recanto obscuro, desconhecido, para se conseguir ser simultaneamente encantador e repulsivo como aqueles dois.
- Ah! Esse manual dos inquisidores… e depois não era só esse invólucro de destempero sinistro, era a impassibilidade inerente aos dois homens que… 
- Nesse livro, a aglomeração caótica é o molde do excesso. – Continua K. …
a desprezavam? 
- Podem só dizer-me do que é que estão a falar? – Arriscou Ana, num tom de retraimento. 

Mas era inútil, o diálogo continuava, restrito e efusivo, “a queda em vez da ascensão, qual epopeia ao contrário” ouvia Ana, “o questionamento da capacidade de determinação colectiva ontológica”, ecoava-lhe algures nos subúrbios da consciência. Entretanto lembrou-se de um cartaz publicitário que viu uma vez numa paragem de metro em Barcelona com a imagem de Jesus Cristo a segurar um preservativo e uma frase em baixo que traduzida, significaria “É divino e chega-se na mesma ao céu”. Mas pior que isso - tinha-lhe contado um amigo - era a existência de expressões no calão espanhol de índole sacro-santa como Puta Madre! 
 - A aglomeração caótica desse livro é o molde do excesso. 
Uma pausa. 

- Não acha, menina? – K. dirige-se a Ana, que parece acordar do fundo de um filme expressionista alemão. 
- O que vai ser o jantar? – Pergunta Ana. 

Depois explicaram-lhe que tinham feito uma aplicação cinematográfica do livro de Lobo Antunes. Ana não sabia o que fazer ou dizer, não sabia que livro era, embora já tivesse ouvido falar do sujeito que era médio ou não sei quê. Ela só queria tratar de um contrato de uma forma normal. Que é chegar ali, até se pode falar um pouco do tempo, tudo bem, mas depois há que perguntar em que consiste a série, esboçar um storyline, avaliar a propensão que terá para uma eventual aplicação com êxito ao universo médio português. 
Pediram uma tal ‘grizé’ para o jantar. Ana ficou muito apreensiva, não sabia o que era aquela porcaria. E sim, parecia efectivamente uma porcaria. Pedaços de vegetais com um molho vermelhão por cima com cheiro a arroz queimado. Pelo sim, pelo não, o prudente «Eu não estou com muita fome.» fora aplicado.

- E então… de que trata a série? – Aventurou Ana. 

T. comia com imensa vontade e com um sorriso que parecia enterrado bruscamente na face mesmo enquanto mastigava ou abria a boca para inserir um pedaço de papa encarnada lá dentro. K. fumava cachimbo e olhava para as paredes. Agora para a lateral. O silêncio pousara-se por ali.

- Hummm… A série? 
- A série, menina, a série trata de uma jovem… 
Pausa. 

- Sim, uma jovem?...– Tentou arrancar Ana. – Uma jovem bonita que está apaixonada por um rapaz possuidor de músculos perfeitos que também gosta muito dela mas que namora com uma manipuladora asquerosa que impede a felicidade da protagonista?
T. e K. olharam um para o outro, em silêncio. 
- Não. - Retorquiu K. - Antes de mais deve saber uma coisa a respeito da nossa série…- Começou T. – Nós procuramos conjugar de forma inteligente as exigências do universo cultural mainstream com tendências artísticas experimentais. Sabe que o paraíso ainda não é possível para uma empresa que, como todas as outras, lida com números. 

Sim, ok, Ana estava declaradamente aborrecida. Mas que raio de paleio era aquele? Há protagonista ou não há protagonista? Há praia ou não há praia? Há gajos bons ou não há gajos bons? Perguntas simples. 

- Sim, claro, compreendo perfeitamente. – Respondeu Ana, erguendo o peito acreditando que assim ninguém repararia na sua falta de capital cultural. 
- Nós temos poucas informações acerca do vosso país, menina… Lidámos com aquele livro do senhor Antunes, mais nada! Repare, nós tentamos ser bons… - Continuou K.
- Pois, nós tentamos ser bons… - Reafirma T. -… E conciliar popularidade com isso. – Concluiu K.

K. não demorou muito a desmarcar-se com motivos de compromissos urgentes em outros lugares com outras pessoas. Ficaria, então, a conversa sobre a série para amanhã ao almoço. T. concordou.

Ana decidiu ir conhecer um pouco da vida nocturna do país. Procurou por alguma discoteca interessante mas a única coisa que encontrou foram umas escadas que davam para um bar enfiado numa cave com aspecto lúgubre, ou pelo menos estranho. Sentia-se ligeiramente desconfortável pelo facto de ser uma desconhecida naquela espécie de cidade-país. Eram todos muito diferentes dela. Não identificou nenhuma marca de nenhum estilista em peça de roupa nenhuma. Todos extravagantes, todos estranhos. Drogar-se-iam? Se não se drogavam pelo menos era esquisito que não reparassem minimamente na sua presença. Afinal ela trazia uma Camisa em chiffon com fitas de seda, Alessandro Dell Acqua e Calças de smoking Gianfranco Ferré. “Bando de anormais, estes Gronenses”, pensou consigo mesma. “Pelo menos um gajo a olhar-me para o rabo, era pedir muito?”

Entretanto naquele bar todos se pareciam conhecer, ou se não se conheciam havia uma espécie de falta de complexo colectivo, não havia anormalidade nenhuma em trocar ideias com alguém mesmo antes de lhe saber o nome, senão não debatiam coisas tão estranhas e tão… 

- Estamos de acordo até certo ponto. – Diz a personagem A. - Ao esboçar criticamente a completa ausência de união e empatia entre os representantes de uma classe marginalizada, constatando friamente a improvável formação de uma "classe por si" que possa fazer frente ao poder do Capital, chamou a atenção da crítica especializada, deu que falar, e isso é que importa. 

Falavam de uma peça de teatro brasileira.

- Pronto, mas o que ele deixa patente são apenas possíveis discussões ou acepções sobre as questões sócio-culturais em que vive, repete o que fazem todos os outros dramaturgos da sua época. Nada de novo! – Responde a personagem B. 
- Seja como for, a peça foi importante para delinear o mal-estar que se fazia presente nas relações autoritárias entre indivíduos que, de certa forma, sofriam dos mesmos males. – Comenta a personagem C., lá ao fundo.
- Sim, o gajo tem jeito para foder Os Senhores Lá De Cima, tem! – Afirma, já com alguns sinais de inebriamento, a personagem D. 
- Não, não julgo que se repita como tu disseste, B. - prossegue A. – a peça consegue ir mais além, infiltrar a realidade humana, reflectir acerca das repercussões do Sonho Americano do ponto de vista dos distúrbios não só sociais como emocionais. Vê-se que o autor quer contornar o estereótipo reproduzido pelos intelectuais do seu tempo que insistem em retratar – neste momento A. simula uma voz fininha, satírica – o-ingénuo-sujeito-cuja-alienação-advém-unicamente-dos-mecanismos-intrínsecos-à- sociedade-capitalista, oh, coitadinho! 
- Estão a falar do quê? – Inquire a personagem E., acabada de chegar. 
- A peça Dois Perdidos Numa Noite Suja. – Responde B. 
- Ah, sim, aquela em que dois homens dividem um desolado quarto de pensão e vivem um intenso conflito de valores, etc… 
- Isso. – Confirma C. 
- Quem é que a escreveu, mesmo? – Interroga E.
 - Não faço ideia. – Responde A. 
- Também não me lembro… - Admite B.
- Ai, eu sabia, espera aí… Ai… Não me recordo… - Declara C. 

Ainda não era meia-noite quando Ana saiu do bar. Sentia mesmo uma indisposição vinda do abdómen. Talvez devido à papa vermelha, ou talvez porque esta existência individual que parecia brotar a cada expiração dos habitantes de Gronos era deveras perturbadora. Todos com opiniões tão próprias sobre coisas em que ninguém pensa. Na verdade pensar, naquele momento, era algo que lhe custava. Dirigiu-se para o hotel com alguma dificuldade. 
No dia seguinte acordou alguns minutos antes do almoço marcado com T. e K. Produziu-se, claro. Mas não se produziu muito. Chegou à conclusão que gastar cosmético com Gronenses não era algo muito inteligente. 
Novamente no restaurante já seu conhecido, Ana sentou-se na mesa, ainda vazia, onde estivera na noite passada com T. e K. Não demoraram muito a chegar. Ana não reparou na roupa deles a não ser no estranho relógio que T. trazia e que possuía a forma de um porquinho prateado. Para o almoço, mandaram vir Grozoo que se assemelhava ao Grizé mas desta vez era verde. Ana foi directa ao assunto. Precisava mesmo de compreender do que tratava a série para poder comunicar à empresa, para avaliar probabilidades de sucesso, para se consumar (ou não) a compra dos direitos para readaptação. 

- Bom, como já tínhamos indicado, a série é protagonizada por uma personagem feminina. – Começou T. - Todo o universo interior dessa personagem é relatada ao publico numa sucessão e alternância de analepses e prolepses que de certa forma ajudam a fragmentar a narrativa comum, criando focos de pressão específicos na leitura do enredo. Compreende? 
- A particularidade e o interesse do universo da personagem residem no questionamento que ela faz ininterruptamente da realidade… - Continuou K. 
- Muitos dos intervenientes da acção surgem de uma forma efémera, mas cumprem o seu objectivo… Por exemplo, um episódio que fez muito sucesso foi aquele, lembra-se K.?, em que a protagonista descobre que o cheiro a alfazema e incensos que provém da casa do vizinho de cima são uma forma de amenizar o estado de putrefacção do seu corpo, porque ele no fundo estava morto. Depois de algumas conjunturas conclui-se que é a Vontade que o mantém vivo para lá das limitações humanas. Há ainda uns rasgos do mundo da doutrina Thelema e um cheirinho a hedonismo de Crowley. Tudo explorado como bisbilhotice intelectual. Não andamos a impingir teorias a ninguém, eh eh! 
- É, enfim, tentámos explorar assuntos polémicos pelos quais toda a gente sente uma certa curiosidade…

Ana, nitidamente perturbada, interrompe K. e solta alguns desabafos. 

- Não é isso que eu considero propriamente uma série para entreter e para se passar o tempo! Passar o tempo! Diversão! Isso que vocês descrevem tem mais ares daquelas séries de culto que ajudam a formar psicopatas do que de uma coisa para divertir! Vocês neste país são completamente doidos! Falam todos de coisas esquisitas, em que nenhuma pessoa normal perde tempo a pensar! Falam de espectáculos ou de livros, como se isso realmente vos afectasse a vida! É ridículo! As pessoas normais não são assim! E depois são capazes de estar a debater ideias sem saber quem as criou, como se elas se tivessem desatado do criador! Que estupidez! Olhem, sabem que mais? Deixem lá o contrato… não é preciso grandes estudos analíticos para perceber que uma série dessas no meu país, para ter algum sucesso, seria necessário começarmos a viver uma realidade utópica! Com licença! 

Ana pega na sua mala Alexander McQueen e sai disparada do restaurante. Lá dentro, K. dirige-se a T. quando diz: 

- Coitado do Senhor Antunes… 

SARA F.COSTA
(Menção honrosa Categoria B Prémio Utopia para Conto Literário)
2004

LEMBRAR CAMILO PESSANHA (1867 - 1926)



ESTÁTUA
Cansei-me de tentar o teu segredo
No teu olhar sem cor, - frio escalpelo, -
O meu olhar quebrei, a debatê-lo,
Como a onda na crista dum rochedo
Segredo dessa alma e meu degredo
e minha obsessão! Para bebê-lo,
Fui teu lábio oscular, num pesadelo,
Por noites de pavor, cheio de medo.
E o meu ósculo ardente, alucinado
Esfriou sobre o mármore correcto
Desse entreaberto lábio gelado...
Desse lábio de mármore, discreto,
Severo como um túmulo fechado,
Sereno como um pélago quieto.
Camilo Pessanha in "Clepsidra" (1920)

FILO-CAFÉ "OS MEUS POEMAS PREFERIDOS"





Qual o poema ou o poeta que mais o marcou? Haverá memória de algum momento que não merecesse um poema? Será o tempo uma memória esquecida onde o tempo fará a curva ou será a memória um verso esquecido de um poeta que chora por um grito no canto de uma página? Reflexões, discussões, vozes por soltar, poemas e poetas estarão à solta no mês da poesia em S. JOÃO DA MADEIRA.


SÁBADO, 17 DE MARÇO, 21H30


FILO-CAFÉ "OS MEUS POEMAS PREFERIDOS"

LIVRARIA ENTRELINHAS
(R. João de Deus, 167. Ao lado do Tribunal de S. João da Madeira, entre as filiais dos Bancos Santander e Millenium BCP)

(Entrada Livre…Tal como o pensamento)

Participantes:

Tiago Moita (S. João da Madeira, Poesia); Luís de Aguiar (Pinheiro da Bemposta, Poesia); Marco Santos (S. João da Madeira, Poesia e expressão plástica); Juliana Pinho (Carregosa, Poesia)

quarta-feira, 14 de março de 2007

SARA COSTA LANÇA "UMA DEVASTAÇÃO INTELIGENTE" EM S. JOÃO DA MADEIRA




22 De Março às 21h30 na Biblioteca Municipal

"Sara F. Costa nasceu em 1987, é natural da Vila de Cucujães e efectuou todo o seu percurso escolar em S. João da Madeira, tendo frequentado o secundário na área de Artes na escola Serafim Leite. O seu fascínio pelo outro lado do mundo leva-a a estudar algo tão excêntrico como Chinês e Japonês na Universidade do Minho na Licenciatura em Estudos Orientais que actualmente frequenta. Paralelamente, a arte da escrita é-lhe necessária e inerente. Algumas pessoas diriam apenas que se veste de forma um bocado estranha, ouve música barulhenta e passa a vida a ver macacada japonesa. “Uma Devastação Inteligente” é agora o trabalho destacado com o Prémio Literário João da Silva Correia. "


PASSOS DE ZINCO ATRAVESSAM-SE NAS ESTRADAS

Passos de zinco atravessam-se nas estradas


Dizes trazer o terror preso na garganta


E o amor de lado,


De um qualquer lado.


Densas insónias circulam nos músculos das imagens,


Colam-se às feições pouco nítidas dos meus reflexos.


E a solidão incinerada nas beiras dos passeios emana um odor turvo.


Tu prossegues por dentro dos versos poluídos.


O silêncio surge-te a vermelho enquanto o mundo vira a sua carne raspada para os holofotes.




Sara F. Costa in "UMA DEVASTAÇÃO INTELIGENTE"

O GRUPO "TARDE E A MÁS HORAS"



















Fundado a 31 de Agosto de 2006, por Luís de Aguiar, Sara Costa, Tiago Moita, Marco Santos e Juliana Leite, a convite de Ricardo Silva, dono da Livraria Entrelinhas, fundada a 8 de Setembro de 2006, o grupo “TARDE E A MÁS HORAS” surgiu no Âmbito de colmatar uma lacuna cultural muito grande na região: a falta de eventos culturais semanais que pudessem trazer a cultura de uma forma universal e gratuita às pessoas e dinamizasse ainda mais a actividade cultural em S. João da Madeira, extremamente dependente até á data dos eventos culturais promovidos pela Câmara Municipal de S. João da Madeira ou por pequenos grupos culturais que efectuavam pequenos eventos para um número muito restrito de pessoas momentaneamente.


ESPECTÁCULO “SETEMBRO (IN)VERSO”- O BAPTISMO DE FOGO (23/09/2006)

Foi num ambiente de grande expectativa e curiosidade q.b. que no dia 23 de Setembro, teve início o primeiro espectáculo do grupo cultural não-conceitual e pós (do pós) contemporâneo "TARDE E A MÁS HORAS", na Livraria Entrelinhas, em S. João da Madeira: Um espectáculo denominado "SETEMBRO (IN) VERSO" em homenagem a poetas portugueses que nasceram ou morreram no mês de Setembro. Nesse espectáculo os poetas homenageados foram Camilo Pessanha, Afonso Lopes Vieira, Antero de Quental, José Luís Peixoto e Natália Correia.
Sob a influência do ambiente acolhedor da livraria, que só pelo aspecto e traço arquitectónico é um convite por excelência, da música dos SIGUR RÓS que tornou tanto a atmosfera do espectáculo ainda mais envolvente e do clima de expectativa e de curiosidade estampado nos olhos dos espectadores que tiveram a felicidade de assistir aquele espectáculo único, desenrolou-se num espaço de poucas horas um verdadeiro concerto de emoções e de desejos pautado pela música, pela magia da declamação que cada um dos membros do grupo efectuou a cada um dos poetas que escolheu para declamar e pela moderação do nosso ilustre poeta e membro do grupo, Luís de Aguiar.

A primeira Declamação foi efectuada pela escritora e poeta, autora do livro "A MELANCOLIA DAS MÃOS E OUTROS RASGOS" (Pé de Página, 2004), estudante também de Estudos Orientais na Universidade do Minho, Sara Costa. Sara escolheu declamar alguns versos de Camilo Pessanha – o célebre poeta, autor da célebre obra "CLEPSIDRA": Uma escolha conveniente devido à ligação que o falecido poeta teve com Oriente (Mais propriamente com Macau) envolta com a magia e a sensualidade com que Sara Costa consegue imprimir nas suas declamações poéticas.

A segunda Declamação foi efectuada por Marco Santos, elemento do grupo e ex-membro do grupo N.A.T (Núcleo Amador de Teatro), de S. João da Madeira. Fez nesse espectáculo a declamação de um poema escrito em Setembro pelo poeta Afonso Pais Vieira: Um declamação extremamente teatral e cheia de sentimento, relatando o fado (ou destino, para alguns) do nosso país, à beira mar plantado.

A terceira declamação foi levada a cabo pelo Autor do blog, Tiago Moita, escritor e poeta, autor do primeiro Livro – Enigma do Mundo, "ECOS MUDOS" (Papiro Editora, 2006), e teve como poeta escolhido, José Luís Peixoto: Uma declamação que teve como pano de fundo três poemas do livro "A CRIANÇA EM RUÍNAS" e um poema escritor pelo autor deste blog, que resume o percurso pessoal e literário do poeta alentejano:
JOSÉ LUÍS PEIXOTO

Quando nasceu, já era a escuridão
A escuridão em si, quando nasceu
Nasceu na terra das searas de trigo
E dos cantares ao desafio
Celeiro do país aonde inventaram a arrogância
Lançado para o seio da terra como um pião na mão de uma criança
Pele de uma sombra navegando ao sabor da corrente de um rio

Alguém que é eu sem o saber
Miserável, forma de homem, pessoa
Invisível numa seara, a agitar tempestades
Dentro das sombras, como um mistério
Alguém que é que não deveria ser
E ri, perante a natureza que reflecte no espelho de si próprio

Da sua caligrafia, construiu as escadas do seu destino
Quando partiu para Lisboa, filha do Tejo
Capital do país donde nasceu a palavra saudade
Como um viajante com um destino traçado
Que construiu textos de ouro, sangue e cinzas
Com os seus dedos de fumo, para rios de tinta e de papel
E apanhou o seu primeiro sol com os dois silêncios
Que minguam dentro das paredes de fumo
À custa de nenhum olhar

À custa de nenhum olhar
Começou a dar palavras aos falcões de barro
Que teimavam não escutar os seus gritos
Já antes teriam lhe dito: “Morreste-me!”
Mas tudo não passou de um eco perdido
A vaguear pelos cantos de uma casa na escuridão
Como um fio de veneno ferido pelo gume do seu antídoto

Hoje, és mais que a criança em ruínas
Que corria num pomar para abraçar o seu pai
Que podia dormir até tarde nas férias do verão, quando o sol entrava pela janela
Quando não conhecia a letra p, quando não conhecia a palavra “poema”
E comia torradas feitas ao lume da cozinha do seu quintal
És o homem que se vê através dos seus olhos

O homem vivo que sente em cada pedra
O silêncio que caminha pelo seu corpo como uma aragem
O homem vivo que sente em cada montanha
A vida e o sol a iluminarem o seu rosto
O homem vivo que sente a sua própria pureza e alegria
Em cada grão de areia que apanha desordenadamente
Na praia aonde os seus dedos largam cinzas
Nas primeiras exigências da primavera

O olhar que desenha fumo na luz
E escreve no seu peito: mãe
Ser que dormes e me fizeste nascer de ti
Para ser as palavras que não se escrevem

Agora que despi o teu corpo de sangue e de sal
Nesta existência de papel
Para os olhos deste pedaço de mundo
Que nunca enxergou as tuas palavras
Nem saboreou as lágrimas que escorrem das tuas feridas
Apago a luz que acendi junto ao teu busto de granito
Esperando que o fumo do seu suspiro vá ao encontro do teu coração

Que está sempre contigo em cada um dos quatro cantos do mundo
Que já beberam o sol das tuas sílabas e dos teus parágrafos
E decifraram o significado do teu nome
Que distribuíste juntamente com as palavras
Que atiravas aos pombos, do teu quintal, todas as manhãs

Que é o tudo que tu queres aprender
Que é o teu olhar e tudo o que imagino dele
Que é a exaustão e a liberdade sentida
Da morte que é esta caneta que não é os teus dedos
Da carne salgada, fruto do sangue da sombra do sol-posto
Que dá forma às feições do poema que é o teu rosto.

A quarta declamação foi levada a cabo pela estudante da Escola Secundária João da Silva Correia, Juliana Leite, que declamou muito bem (sentada) dois poemas de Antero de Quental de uma forma muito emotiva e épica, tal como se de uma representação teatral se tratasse.

Para concluir, ficou aquilo que eu chamei a "Cereja no Bolo". Luís de Aguiar, elemento do grupo, escritor e poeta de Pinheiro da Bemposta, Concelho de Oliveira de Azeméis, autor do livro "OS FILHOS RAIANOS" (Palimagem, 2006), que teve a tarefa (in) grata de ser o MC (Mestre de Cerimónias) do nosso grupo, declamou alguns dos poemas da grande poeta Natália Correia, falecida em 1993: Uma declamação pausada mas muito envolvente e comovente, que encerrou o primeiro espectáculo do grupo com chave de ouro e aclamação por parte da imprensa local e do público que assistiu ao espectáculo, em especial.
O ESPECTÁCULO “MAUDITS” (21/10/2006)
Descendo as escadas íngremes da poesia do Século XIX, o grupo TARDE E A MÁS HORAS resolveu apostar numa sessão cultural de homenagem aos denominados Poetas Malditos, ou “Maudits” em Francês, iluminando o caminho obscuro e amaldiçoado dos
Sete poetas que revolucionaram a escrita, transportando para a corrente simbolista, que mais tarde foi responsável pela eclosão do Movimento Surrealista no século XX: A destacar Arthur Rimbaud, Charles Baudelaire, Paul Verlaine, Stéphane Mallarmé, Isidore Ducasse, Tristan Corbière e Villiers de L’isle Adam.

Perante uma plateia atenta e que foi crescendo ao longo do Serão, o grupo de Sara Costa, Tiago Moita, Juliana Leite, Luís de Aguiar, Marco Santos e de um novo elemento, natural de Carregosa, Juliana Pinho, ressuscitaram os pais do Simbolismo e do Surrealismo, ou como sublinhou Luís de Aguiar, o elemento escolhido pelo grupo nesta jornada pelo submundo dos poetas malditos “Foram eles que quebraram todas as regras, em pleno século XIX, que romperam com as regras formais e trouxeram algo de novo para a poesia”

A sessão começou com as participações de Luís de Aguiar e Tiago Moita na declamação de dois poemas de Charles Baudelaire, poeta condenado pelos seus escritos eróticos, cáusticos e provocativos, principal responsável pelo nascimento da poesia simbolista mundial e pelo lançamento das bases do Modernismo. Mundialmente conhecido pela sua obra “As flores do Mal”, Baudelaire ressurge desse jardim proibido num “Convite à viagem”, declamado por Luís de Aguiar e Tiago Moita em conjunto, e nas suas “Tristezas da Lua”, declamado por Tiago Moita a solo.

O Jardineiro das “Flores do Mal” influenciou a rebeldia métrica de Rimbaud e de Ducasse, a musicalidade de Verlaine, o intelectualismo de Mallarmé e a ironia coloquial de Corbière. Marginais à sociedade com hábitos morais condenáveis, foram também os libertadores da língua, cortando as amarras convencionais e criando novas propriedades estilísticas.

Amigo de Rimbaud, poeta com quem partilhou inúmeras experiências e aventuras, Paul Verlaine recebeu uma homenagem pulsante do seu “Esboço Parisiense”, poema declamado por Juliana Leite e uma claridade lírica dos seus “Sois Poentes”, aquando da sua declamação por parte de Luís de Aguiar.

Nesta sessão, Rimbaud eleva-se numa declamação em dueto, protagonizado por Sara Costa e por Tiago Moita, em “Angústia”. Nessa parte, surgiu um pequeno desarranjo, fruto de uma pequena descoordenação da parte de um elemento convidado de nome Nicolau, que se esqueceu de fazer a declamação em Francês inicial de cada um dos poemas a partir da declamação dos poemas de Arthur Rimbaud, mas depressa foi posta de parte com a brilhante declamação do poema “Manhã” por parte de Sara Costa.

Sentado numa cadeira, qual poeta abandonado pela vazio e pelo silêncio que consome as suas feridas, Marco Santos deu início à declamação de alguns fragmentos dos Cantos de Maldoror, do Temível Conde de Lautréamont, pseudónimo de Isidore Ducasse utilizado para assinar os seus poemas e a única obra que escreveu em vida. Uma declamação compassada e melancólica, espelho do modo de ser do poeta que escolheu para homenagear.

Esgueirando-se por entre a multidão, Sara Costa e Juliana Leite deram voz aos atalhos soturnos e intelectuais de Stéphane Mallarmé. Começando com uma “Saudação”, declamado maravilhosamente por Juliana Leite, até terminar como a magnitude lírica do poema “Sinaleiro”, declamado com a mesma fluidez e brilhantismo da sua colega, por Sara Costa.

Fleumática e Fabulosa talvez sejam os adjectivos que melhor personificam a declamação poética de Juliana Pinho, o mais recente elemento do grupo, aos poemas de Tristan Corbière e Villiers de L’Isle Adam. Com a sua sintaxe sincopada e os seus gritos bizarros, Juliana Pinho acabou por conseguir transportar a alma atormentada de cada poema destes dois grande poetas malditos para os olhos dos espectadores atentos e estupefactos com a sua estonteante e deslumbrante actuação de uma rapariga que, em poucos minutos, revelou um talento natural não só para a poesia como também para a representação dramática.

Terminadas as sessões de declamação surgiu uma inesperada surpresa: pela primeira vez surgiu uma imprevista interacção entre o público e o grupo, devido a uma interpolação de uma espectadora sobre o tema da sessão. Algo de inesperado mas que demonstrou pela primeira vez uma interacção muito importante para o grupo em sessões futuras.
ENTREVISTA A FERNANDO VELOSO (18/11/2006)
Fugindo em direcção a uma corrente cultural, diferente da seguida nas duas sessões anteriores, o grupo TARDE E A MÁS HORAS resolveu apostar num formato diferente: a entrevista, um tipo de texto jornalístico que o grupo decidiu apostar nesse mês de forma a variar a sua actividade na Livraria Entrelinhas. Nesse mês o convidado foi o célebre pintor português, natural de S. João da Madeira, Fernando Veloso.

Fernando Veloso é um pintor que se tem destacado por inúmeras exposições colectivas nacionais e internacionais. Segundo palavras do autor, o caminho pelas artes surgiu por acaso, numa altura em que Fernando Veloso não tinha ainda qualquer perspectiva profissional “Nunca quis ser nada em especial, mas as maçãs não aparecem de geração espontânea”. Aliado o seu gosto especial pelo desenho, que foi cultivando, nos tempos livres, com a oportunidade de expor pela primeira pela primeira vez e, acidentalmente, no Bar Pede Salsa, onde “ganhava uns trocos a lavar pratos e copos”, Veloso foi definindo o seu rumo artístico a caminho de um maior aperfeiçoamento.

Chegado o ano de 1995, Fernando Veloso termina a sua Licenciatura em Ensino de Educação Visual e começa a dedicar-se à pintura, expondo de uma forma regular as suas telas em Restaurantes, Bares e em outras montras colectivas.

Rejeitando qualquer tipo de etiqueta ou fórmula conceptual que definisse o seu estilo e as suas obras, o pintor sanjoanense, e também professor de Educação Visual admitiu, porém, enquadrar-se num certo “Expressionismo Figurativo”, traduzido essencialmente em Anjos e Demónios Seminus: “Este tema sempre me cativou.” Apesar de ter tido uma certa formação católica, o artista confessou acreditar numa força superior e em todas as religiões.

Sem se importar em procurar qualquer tipo de argumento para pintar, Fernando Veloso afirma que só lê o quadro, depois da obra estar concluída, desmistificando a ideia pré-concebida de que o artista concebe a sua obra propositadamente para produzir uma determinada reacção, “Na maior parte das vezes, não é intencional e se me perguntam o que está por detrás de uma tela minha eu respondo que não está atrás mas à frente, pois o quadro é somente o ponto de partida para a interpretação de cada um.”

O nú é um dos temas recorrentes de Fernando Veloso, quer através da representação de um anjo, de um demónio ou de um simples ser humano, experimentando “transparências” bem como a nudez das suas figuras, de modo a inspirar uma aparência de sensualidade e não de sexualidade. Pois, segundo o artista, o segredo está “em saber pensar no homem e na mulher como se estivessem num bailado.”

Repetição e monotonia são palavras que não rimam nem se enquadram com a actividade de Veloso “Procuro não estar sempre a fazer a mesma coisa”, vinca. Por isso, neste momento, Veloso abandonou os corpos humanos esculpidos em árvores para se dedicar à temática anjo e demónio, bem e mal.

Quanto ao ambiente gerado pela entrevista, devo dizer que não estava à espera de tamanha atmosfera de satisfação, interactividade e de riso nessa sessão. Mérito da maneira de ser inquieta e irreverente do entrevistado que temperou bastante a entrevista com uma boa dose de sentido de humor e de à-vontade, não só fruto do seu estado de espírito, mas também dos espectadores que o questionaram, juntamente com alguns elementos do Grupo, mas também mérito do espírito de moderação e naturalidade de Sara Costa, que vestiu o papel de entrevistadora numa sessão classificada como uma das melhores sessões alguma vez elaboradas pelo Grupo TARDE E A MÁS HORAS.

O CORPO E A MENTE NAS ARTES MARCIAIS (16/12/2006)


Da poesia para a pintura. O grupo TARDE E MÁS HORAS resolveu virar-se para o Oriente, mais propriamente para as Artes Marciais, um tema relacionado não só ao desporto mas também à saúde e ao esoterismo, como os mestres convidados acabaram por referenciar.

Regressando à entrevista, um formato que culminou num grande sucesso para o grupo, moderado mais uma vez por Sara Costa, a sessão iniciou-se com a abordagem ao Shaolin, uma arte marcial milenar provinda dos templos Budistas Chineses, comentada por Augusto Pinto, Mestre de Shaolin nascido em Angola em 1967, residente em S. João da Madeira há cerca de trinta anos. Sua incursão pelas artes marciais começou há 24 anos, com o TAE-KON-DO, ingressando mais tarde no KUNG-FU e no Shaolin, exercitando também TAI CHI. Para auxiliar melhor a sua dissertação, Augusto Pinto serviu-se de um projector e de um trabalho sobre o shaolin em PPS, que realçou de uma forma moderna a origem e as funções dessa arte marcial oriental.

Representando o VIET VOO DAO, estava o mestre Júlio, da ARMA, que realçou a importância da transmissão de valores éticos fundamentais para a construção do carácter da personalidade no ser humano, bem como o equilíbrio: um elemento tão fundamental para garantir a concentração e a autodisciplina essenciais para a boa prática não só dessa arte marcial de origem vietnamita, mas de qualquer arte marcial em particular. Um discurso bastante expressivo e emotivo, que, infelizmente, não foi completado com a explicação acerca da origem e das diferenças entre esta arte marcial oriental e os outros tipo de artes marciais.

Relativamente ao TAI CHI, a explicação foi levada a cabo pelo mestre Luís Rodrigues, mestre de artes marciais, nascido no Porto em 1958, praticante de Shaolin desde 1978 e de Tai Chi desde 1992, altura em que foi estudar essa arte marcial para a China, em CHEN JIA GOU, dando, neste momento, aulas sobre essa arte marcial peculiar na sede nacional de Artes Marciais Chinesas do Porto, na Universidade Católica do Porto e, há mais de 20 anos, na Escola Secundária Aurélia de Sousa no Porto. Na sua interpelação, Luís Rodrigues explanou de uma forma natural e concisa, não só a origem do Tai Chi com as vantagens da sua prática para a saúde, quer física quer espiritual, para o ser humano: Um orador exímio que não se mostrou incomodado com algumas questões feitas pelo público e que terminou uma das melhores e mais interactivas sessões culturais do grupo, com uma pequena demonstração de Tai Chi: Uma demonstração que encerrou com chave de ouro uma noite fria de Dezembro, marcada não só pela euforia da época natalícia mas também pelo prazer da cultura, servida numa sessão memorável e extremamente interactiva e empolgante.

domingo, 11 de março de 2007

JOSÉ LUÍS PEIXOTO APRESENTOU "CEMITÉRIO DE PIANOS" EM SÃO JOÃO DA MADEIRA (09.02.2007)


José Luís Peixoto com a professora Cristina Marques

(Livraria Entrelinhas, São João da Madeira, 09.02.2007)

Nunca tive tanto orgulho em conhecer um escritor como o José Luís Peixoto. Ainda me lembro da primeira vez li o poema "Éramos cinco" do seu primeiro livro de Poesia "A Criança em Ruínas" de 2001, e tudo por causa de eu ter lido uma notícia no jornal Blitz onde Fernando Ribeiro, vocalista dos Moonspell, disse que o novo álbum da sua banda "The Antidot" (2004) foi baseado num livro deste escritor - que, até àquele ano de 2004, desconhecia por completo - chamado "O Antídoto." Desde esse ano, passei a seguir a sua vida e obra. Sonhei conhecê-lo pessoalmente e, naquela sexta-feira, dia 9 de Fevereiro de 2007, pelas 21H30 em São João da Madeira, o meu sonho concretizou-se.

A notícia da sua vinda à minha terra chegou aos meus ouvidos por intermédio do Ricardo Silva, dono da Livraria Entrelinhas. Nem queria acreditar. Segundo ele, foi possível entrar em contacto com a sua agente e convidá-lo a apresentar o seu mais recente romance "Cemitério de Pianos" na sua livraria. Dos meus colegas e amigos do grupo "Tarde e as Más Horas" lembro-me do brilhozinho nos olhos da Sara e da Juliana quando souberam da notícia.

Apesar do frio e da ameaça de chuva, o espaço onde se realizou a sessão estava cheio e com alguns jornalistas da comunicação social local presente. Outra coisa não seria de esperar dela uma vez que naquela noite, ia estar presente o primeiro escritor português contemporâneo, com idade inferior a 30 anos, a vencer o Prémio José Saramago no ano 2000 (tinha 26 anos nessa altura). A apresentação ficou a cargo de uma professora de língua portuguesa chamada Cristina Marques da Escola Secundária Oliveira Júnior (ex-n.º3), que, quando era estudante dessa escola "nunca mais a vi mais gorda."

"Cemitério de Pianos" é um livro sobre "filiação" e "pais que renascem nos filhos. Assumidamente autobiográficos, o romance deste escritor natural de Galveias, aldeia e freguesia do concelho de Ponte de Sôr e, segundo o autor de "Nenhum Olhar" um desabafo, 10 anos depois, sobre a morte do pai - um episódio que marcou profundamente a vida do escritor e que serviu de "faísca" para incendiar todas as suas ideias e que só agora conseguiu dar-lhe corpo na folha de papel, segundo ele.

Durante a apresentação, José Luís Peixoto confessou ter omitido esse trágico acontecimento no seu primeiro romance "Morreste-me." Conotado como um escritor das sombras e da morte, José Luís Peixoto afastou a interpretação literal que o título da obra pudesse suscitar nos leitores, chegando mesmo a afirmar, visivelmente cansado que "é o seu texto mais feliz porque ninguém morre no livro!". A história é narrada pelo "pai que está morto desde o início do livro" e pelo filho "que sabe que vai morrer", mas a última página acaba de ser lida e ele ainda está vivo. Ao estilo "lynchiano", o escritor arquitecta uma filiação complexa, aparentemente ilógica, a tal ponto que "as coisas misturam-se" e os dois narradores, pai e filho, confundem-se ou não tivessem ambos o mesmo nome: Francisco Lázaro. Tudo isto num romance que retrata gerações diferentes e relações familiares que vão "da ternura infantil à violência."

Cristina Marques considerou a escrita de José Luís Peixoto a uma "escrita labiríntica" que "precisaria de um quadro para ser explicada", salientou a professora. Segundo o romancista "este não é um livro para se perceber a lógica". A leitura deste livro de ver ser, segundo o autor, "impressionista e intuitiva" e é nessa atmosfera familiar, íntima, banhada pela mão taciturna da morte, mas acarinhada pela luz quente do afecto que se concertam pianos antigos, dando-lhes uma nova vida. Daí o renascimento, a continuidade das gerações, a ressurreição que pai e filho personificam e que os seus nomes desvendam: "Lázaro é a figura bíblica que Jesus ressuscitou," como salientou José Luís Peixoto. 

Para criar a personagem Lázaro, o escritor fez também um trabalho de investigação sobre o maratonista português Francisco Lázaro que faleceu nos Jogos Olímpicos de Estocolmo em 1912, após cumprir 30 quilómetros de corrida. Neste livro, José Luís Peixoto mudou-lhe a profissão e vez de mecânico de automóveis passou a carpinteiro e consertador de pianos. 

Sedento das múltiplas perspectivas que um mesmo o acontecimento pode proporcionar, o autor encarna uma e outra personagem demorando-se na descrição dos pormenores, como se observasse a partir de um microscópio. Entra nos próprios objectos, observados, misturando, confundindo quem analisa e quem é analisado. Por isso, Cristina Marques destacou a estranha utilização intensiva, quase obsessiva, dos dois pontos. Como se "quisesse continuamente entrar, especificar ainda mais." Contudo, José Luís Peixoto acaba por se mostrar surpreendido, confessando não ter sido intencional o uso excessivo desse sinal de pontuação. 

Ao longo da sessão foram colocadas várias perguntas ao autor sobre as obras passadas os seus diferentes géneros literários, que vão desde o romance à Poesia, passando pelo conto e pelo teatro e sobre os seus outros trabalho, enquanto escritor de letras para bandas como os Moonspell, José Luís Peixoto confessou que a música é, para ele, um refúgio, uma forma de conseguir encontrar a solidão tão desejada para a escrever, Quando lhe perguntaram por que é que o seu romance demorou quatro anos a ser escrito (ficou concluído no ano passado), José Luís Peixoto justificou o atraso derivados a "diversos compromissos profissionais do autor", nomeadamente a produção de duas peças de teatro e um livro de contos.

Finda a sessão, houve a habitual sessão de autógrafos e troca de impressões com o escritor. Eu não fui uma excepção à regra e pedi-lhe um autógrafo ao meu exemplar do seu primeiro livro de Poesia. No fim, ofereci-lhe um poema escrito por mim em sua homenagem e recebi um abraço caloroso da sua parte. Ganhei o dia.

Tiago Moita 
11.03.2007 

quinta-feira, 8 de março de 2007

LEMBRAR ANTÓNIO RAMOS ROSA

Não posso adiar o amor para outro século
não posso
ainda que o grito sufoque na garganta
ainda que o ódio estale e crepite e arda
sob as montanhas cinzentas
e montanhas cinzentas

Não posso adiar este abraço
que é uma arma de dois gumes
amor e ódio

Não posso adiar
ainda que a noite pese séculos sobre as costas
e a aurora indecisa demore
não posso adiar para outro século a minha vida
nem o meu amor
nem o meu grito de libertação

não posso adiar o coração

de Viagem através de uma Nebulosa, 1960