quarta-feira, 27 de março de 2013

"O ÚLTIMO IMPÉRIO" DE TIAGO MOITA, SEGUNDO NÁDIA BATISTA (Blog literário "Eu e o Bam")


"Se no passado se vê o futuro, e no futuro se vê o passado, segue-se que no passado e no futuro se vê o presente, porque o presente é o futuro do passado, e o mesmo presente é o passado do futuro."

Padre António Vieira

E é assim que O Último Império começa. E não conseguem, nem podem, imaginar a forma como o Padre António Vieira entra na história. E olhem para a capa. Se pensam que não passam de imagens coladas umas às outras, esperem e leiam. O Último Império promete e cumpre. Vamos numa viagem sinuosa pela história de Portugal, com muito mistério, sociedades secretas, segredos e mentiras pelo caminho. E saímos triunfantes - ou quase.

"O espírito é sóbrio, a razão é cega e o horizonte é o limite".

Na narrativa propriamente dita, o livro começa por contar uma lenda acerca da Batalha de Ourique, para logo nos transportar para um futuro muito próximo. Se bem que não pode ser tão literal quanto os "dez séculos depois" escritos, senão o senhor em questão teria morrido com cento e tal anos! Mas este é um pequeno pormenor e, provavelmente, não deveria ser tomado à letra. A partir daqui, não temos descanso. A história é constantemente interrompida, primeiro em incursões sobre a nossa História, depois nos momentos chave - portanto, para quem não gosta de cliffhangers, não aconselho que leiam este livro, vai-vos deixar loucos. E isso só nos faz querer ler mais e mais, para tentar saber afinal o que X descobriu ou o Y fez.

"A imagem é capaz de descrever uma realidade e um tempo mais do que um rio de palavras."

Toda a história é muito bem pensada. Os detalhes estão lá todos, alguns tão escondidos que não damos por eles. No entanto, penso que pode pecar por excesso; há algumas personagens ou acontecimentos que deveriam ser melhor desenvolvidos. Como a relação entre Miguel Maia e Leonor Cortez - esperava algo mais destes dois, e eles ficaram esquecidos pelo meio. O mistério à volta deles foi descoberto e pronto, não se voltou a falar deles. Não gostei... As crianças, penso que deveriam ser mais trabalhadas também. Mas para mim, o pior foi o Lepra. O seu desenrolar da história esteve muito bem, mas, quando ele sai de cena... merecia mais, muito mais!

Para compensar, Tiago Moita desenvolveu uma complexa ideia fantasiosa acerca do mito do Quinto Império, não deixando nenhum pormenor de parte. As peças vão-se encaixando uma a uma e a maneira como tudo se sucede faz-nos tremer na antecipação de saber como tudo chegou àquele ponto. Está maravilhoso - a maneira como vários acontecimentos da nossa História se encontram e desencontram à volta deste mito, fazendo-nos duvidar de qualquer um que se mova. Quem são os bons, quem são os maus?
Relativamente à história, tenho apenas um último reparo a fazer: o epílogo matou-me. Quando cheguei ao final do capítulo 100 fiquei com os cabelos em pé, a tentar assimilar tudo o que se passava, a tirar conclusões à velocidade da luz para não me esquecer de tudo o que tinha acabado de acontecer. Depois li o epílogo e fiquei triste. É tudo rosas... na minha opinião, o livro tinha ficado muito bem se acabasse pelo capítulo 100. Assim nós, leitores, podíamos tirar as nossas conclusões desta história, se escolhíamos acreditar nela ou então decidir que tudo não passa da imaginação de um bando de lunáticos.

"Culpa é um fardo demasiado pesado para o homem carregar sobre os ombros. Se para uns a censura sobre um comportamento considerado indigno é um desafio ou uma forma de ser notado perante a sociedade, para outros, é um castigo, psicológico ou divino, consoante as crenças de cada um. A culpa tem sido, desde os primeiros tempos da humanidade como a consequência dos males que o homem tem infligido ao mundo e à sua própria espécie."

É um livro grande, com 100 capítulos. Isto pode assustar alguns leitores, mas na verdade é algo muito fácil de se ler. Os capítulos são pequenos e concisos, e há uma dança na escrita de Tiago Moita que me surpreendeu. Em alguns capítulos somos agraciados com pequenos pensamentos, como este sobre a culpa que acabaram de ler. Noutros, temos pequenas descrições sobre locais de Lisboa e outras cidades, num contexto histórico interessantíssimo. Há ainda alguns que são verdadeiras histórias de História. Atenção a quem não goste de história... precisam de a perceber minimamente para compreender melhor o livro.

Houve um aspecto desta obra que me conseguiu, de facto, irritar. E foi a palavra descrição. Que está muito bem, mas não quando a palavra desejada é discrição. É uma constante no livro, e aborreceu-me um pouco. Este aspecto, aliado a erros de datas e de graus familiares, são os únicos aspectos negativos deste livro. E tendo em conta tudo o que podemos retirar do mesmo, estes apontamentos não são nada.

"Comemorar o aniversário de alguém é mais do que uma manifestação emotiva humana (...) uma primavera que se espreguiça no inverno da vida (...)"

Concluindo, gostei do livro, mas penso que tem aspectos que deveriam ter sido melhor explicados e desenvolvidos. Mesmo que o livro ficasse enorme, penso que seria por uma boa causa, assim não fica um vazio sobre a personagem que saiu de cena ou uma dúvida sobre algo que aconteceu. E sobretudo, quero esquecer o epílogo, para sempre!

"Chantagem é sem dúvida uma das melhores formas de pressionar o ser humano (...) tornar vulnerável a alma perante a face negra da humanidade."

Correndo o risco de estar a ser injusta para com outros escritores portugueses, pelo menos na minha humilde opinião, afirmo desde já que, para mim, Tiago Moita é um dos Dan Browns portugueses.

"Medo e dúvida são duas faces da mesma moeda. Durante séculos, foram tema de reflexão e inspiração para toda a espécie de pensadores e artistas. Seus conceitos são de tal forma latos e complexos que ainda hoje apaixonam tanto eruditos como leigos na matéria. Um, não subsiste sem o outro, ambos se complementando numa simbiose perfeita e sem a qual a vida não teria o menor sentido. Que seria da coragem dos bravos num mundo sem medo ou a liberdade de escolha sem a dúvida? Um nada entre tantos nadas, um buraco negro na existência humana, carregada de paradoxos e sincronismos difíceis de superar ou entender, (...)"

Nádia Batista
25.03.2013