sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

POEMA "NATAL" DE JOSÉ RÉGIO


"NATAL"

Mais uma vez, cá vimos
Festejar o teu novo nascimento,
Nós, que, parece, nos desiludimos
Do teu advento!

Cada vez o teu Reino é menos deste mundo!
Mas vimos, com as mãos cheias de pomos, 
Festejar-te, - do fundo
Da miséria que somos.

Os que à chegada
Te vimos esperar com palmas, frutos, hinos,
Somos - não uma vez, mas cada - 
Teus assassinos.

À tua mensa nos sentamos;
Teu sangue e corpo é que nos mata a sede e a fome;
Mas por trinta moedas te entregamos;
E por temor, negamos o teu nome.

Sob escárnios e ultrajes
ao vulgo de exibimos, que te aclame;
Te rojamos nas lages;
Te cravejamos numa cruz infame.

Depois, a mesma cruz, a erguemos,
Como um farol de salvação,
Sobre as cidades em que ferve extremos
A nossa corrupção.
Os que em leilão a arrematamos
Como sagrada peça única,
Somos os que jogamos,
Para comércio, a tua túnica.

Tais somos, os que, por costume,
Vimos, mais uma vez,
Aquecer-nos ao lume
Que do teu frio e solidão nos dês.

Como é que ainda tens a infinita paciência
de voltar,- e te esqueces
De que a nossa indigência
Recusa Tudo que lhe ofereces?

Mas se um ano tu deixas de nascer,
Se de vez se nos cala a tua voz,
Se enfim por nós desistes de morrer
Jesus recém-nascido, o que será de nós?

JOSÉ RÉGIO.

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