domingo, 19 de abril de 2015

POEMA "A LIBERDADE" DE KHALIL GIBRAN


"A LIBERDADE"

E um orador disse.
"Fala-nos da Liberdade."
E ele respondeu:

As portas da cidade e junto à vossa lareira já vos vi prostrados
a venerarem a vossa própria liberdade.
Tal como os escravos se curvam perante um tirano
e os louvam enquanto ele os açoita.
Ah, no bosque do templo e à sombra da cidadela
já vi os mais livres de entre vós
usarem grilhetas.

E o meu coração sangrou por dentro;
pois só se pode ser livre
quando o desejo de encontrar a liberdade se tornar a vossa
força
e quando deixardes de falar de liberdade 
como objectivo e plenitude.

Sereis verdadeiramente livres
não quando os vossos dias não tiverem preocupação
nem as vossas noites necessidades ou mágoas.

Mas quando estas coisas rodearem a vossa vida
e vós vos ergais acima delas, despidos e libertos.

E como vos podereis erguer para lá dos dias e das noites
a menos que quebreis as cadeias que, 
na aurora do vosso conhecimento,
apertaste à volta do entardecer?

Na verdade, aquilo a que chamais liberdade
é a mais forte dessas candeias,
embora os seus aros brilhem à luz do sol
e vos ofusquem a vista.

E o que é isso senão fragmentos do vosso próprio ser
de que vos libertareis para vos tornardes livres?
Se trata apenas de uma lei injusta que ireis abolir,
essa lei foi escrita com a vossa mão apoiada na vossa fronte.
Não podereis apagá-la queimando os livros das leis,
ou lavando as frontes dos vossos juízes,
embora despejais o mar sobre eles.

E se é um déspota que ireis destronar,
certificai-vos primeiro de que o trono erguido dentro de vós
também é destruído.
Pois como pode um tirano mandar
sobre os livres e orgulhosos,
senão exercendo a tirania sobre a liberdade deles
e sufocando-lhes o orgulho?
E se trata de uma preocupação 
que quereis fazer desaparecer.

Essa preocupação foi escolhida por vós e não imposta.
E se é um receio que quereis afastar,
a origem desse receio reside no vosso coração
e não na mão daquele que receais.

Na verdade, todas as coisas que se movem
dentro do vosso próprio ser em constante meia união,
o desejado e o receado, o repugnante e o atraente, o perseguido
e o de quem quereis escapar.
Estas coisas movem-se dentro de vós como luzes e sombras,
aos pares, agarradas.

E quando a sombra se desvanece e deixa de ser,
a luz que resta torna-se sombra para uma nova luz.
Por isso, a vossa liberdade quando perde as candeias
torna-se ela própria uma cadeia de maior liberdade.

KHALIL GIBRAN
(1883-1903)
"O PROFETA"
(Edição póstuma: 1923)

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