quarta-feira, 13 de maio de 2015

POEMA "AS MÃES?" DE JOSÉ AGOSTINHO BAPTISTA


"AS MÃES?"

Fossem estes dias que 
brotasse.
Manchas de azul, um rasto de neve em pleno céu, 
colmeias,
mel, uma exaltação de asas.

Mas é assim:
metais que revestem a pele e as armaduras,
bronze, ferro, formas que perduram, malhas, ameaçados
tecidos que nos moldam - 
quem borda ainda,
quem se atreve à minúcia das rendas?

As mães?
Elas vinham cedo, eram como um rumor de levadas,
atravessando as terras.
Eram as mesmas mãos trabalhando sedas, afagos e
uma conspiração de cores e agulhas frias,
mães de silêncio bordando a treva e o sono, a longa
noite dos filhos.

Herdei uma beleza amarga,
o temor das sombras, de relâmpagos que embatiam
na infância,
no dorso das colinas,
no coração mais triste.

Um estrondo de muralhas, diques, batalhas que 
deflagram
uma ciência aterradora:
não quero outra véspera de espadas, a coroação do
sangue,
patíbulos onde a cabeça se expande, 
rolando como a poeira e os astros,
repercutindo como um sino no choro das mães.

Não quero um bordado de horas antigas
uma prece no tear das suas mãos -
eu sei como se fundem as teias,
as lágrimas de quando se morre -

eu sei que chove.

JOSÉ AGOSTINHO BAPTISTA
"Antologia Poética"

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