ODE AO AUTOR
Sentado à varanda do mundo que o despreza
revolvendo o seu silêncio
com os dedos calejados pela vertigem
e os olhos rubros e cansados de tanto existir,
está o autor, nu,
explodindo quatro rosas brancas com a mente,
sorvendo o húmus da terra com o corpo
e o éter da vida com o coração.
O autor é uma tempestade cega sem aviso
em paraísos de vidro e pedra,
voz indomável de um grito exíguo por brotar
de uma página em branco,
gota de água num inferno
tecido à força pela mão cega do Homem.
O autor é um fósforo aceso na noite
pela vontade esdrúxula de um deus menor
e a sombra do grito mudo de um espelho
reflectindo as feridas primárias
de uma sede infinita.
O autor é uma biblioteca itinerante
num deserto de máscaras,
tradutor fiel de incêndios por lavrar
durante a embriaguez do sono.
Enquanto escreve, o autor salga um verbo
e transforma-o num adjectivo,
um adjectivo que sulca o vento e abre caminhos,
ganha raízes no cérebro
até se transformar num substantivo,
cheio de espuma e suor, sémen e sangue
e vinho a escorrer-lhe pela boca.
O autor está para a escrita
como o sal está para o fogo,
estala e vibra como um astro,
decifra os sentidos das quedas num voo
e não descansa o corpo
enquanto este não se fundir com o sol.
Tudo isto e muito mais é o autor
no seu estado mais puro, inteiro e limpo,
testemunha viva de epopeias e quedas,
cronista solitário de ecos sem voz
que faz do tempo uma curva
em vez de um segmento de recta.
Tiago Moita.
22.05.2020
Feliz dia mundial do autor.
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