terça-feira, 19 de março de 2024

TIAGO MOITA: VINTE ANOS A DAR VOZ ÀS PALAVRAS (2004-2024)

 


Sessão de encerramento do workshop de Poesia 

"Orquestra das Palavras" de Paulo Condessa, 

São João da Madeira, Ecos Urbanos, 19.03.2004


TIAGO MOITA: VINTE ANOS A DAR VOZ ÀS PALAVRAS (2004-2024)


A passagem do tempo deixa sempre um travo de saudade na vida de uma pessoa e lembrar uma efeméride como a primeira vez em que disse um poema ao vivo em público, como aconteceu comigo há vinte anos, naquela sexta-feira, dia 19 de Março de 2004, às 22H30, na antiga sede dos Ecos Urbanos (Aka “O Sítio”) no antigo monumento arquitectónico da Praça Luís Ribeiro em São João da Madeira, não é uma excepção à regra.


Tinha ainda 28 anos e parecia ter descoberto a vida pela primeira vez. Vinha ébrio de uma revolução de palavras e pensamentos, sonhos e pesadelos com mais de sete meses. Começava a redescobrir a escrita e a poesia como quem aprende a respirar de novo. Tinha 28 anos e parecia ter descoberto um mundo novo.


Era Primavera na cidade. O município aperaltava-se para a segunda sessão do Poesia à Mesa. As andorinhas e as flores mudavam as cores e os comportamentos de todos os habitantes. Respirava-se Poesia na cidade. Para mim, a primavera tinha começado mais cedo nas tardes de leitura na Biblioteca Municipal Dr. Renato Araújo ou nas livrarias da minha terra e da cidade do Porto. Tinha 28 anos e voltei a apaixonar-me pelos livros e a desbravar horizontes nos textos e nos poemas de Pessoa, Blake e Rimbaud que, por não serem suficientes para alimentar a minha alma, deram lugar também a Al Berto, O'Neill, Cesariny, António Maria Lisboa, Mário de Sá-Carneiro, David Mourão-Ferreira, Sophia de Mello Breyner Andresen entre tantos outros. Tinha ainda 28 anos e palavras como surrealismo, modernismo, metáfora, didascália, verso, poema ou silêncio passavam a fazer parte do meu vocabulário e todo o sentido para mim como raiz de uma árvore ou o canto de um pássaro.


Queria descobrir mais, experimentar mais, dar voz ao que escrevia e aos poemas e textos dos livros que passavam a fazer parte da minha vida, revolviam-me as estranhas, tatuavam-me o corpo, como amigos inseparáveis. Tinha ainda 28 anos e deixei-me conduzir por um anúncio da Biblioteca Municipal Dr. Renato Araújo em Fevereiro de 2004 para promover uma workshop de leitura poética, denominada "A ORQUESTRA DAS PALAVRAS", dirigida por um tal Paulo Condessa que, naquela altura, nunca tinha ouvido falar. Parecia tudo novo para mim. Tinha ainda 28 anos e abri o meu coração e a minha vida para esse evento, sem ouvir os murmúrios das paredes e as vozes das sombras, servindo-me da minha intuição como bússola.


Foram apenas cinco dias mas, para mim, poderiam durar uma eternidade que não me importava. Tinha ainda 28 anos e saboreei a Poesia do silêncio das palavras a cair da ponta da língua como gotas de orvalho a gotejar de folhas de Outono; respirei Poesia e aprendi a dialogar com os poemas, com os poetas, com o mundo e com a vida.


Nessa noite de sexta-feira, 19 de Março de 2004, às 22H30, tudo foi novo e diferente. Eu e aquele grupo fomos um só. Lemos Almada Negreiros, Sophia de Mello Breyner, Vasco Popa, Cesariny e António Maria Lisboa como se os poemas fossem nossos e os poetas renascido das cinzas para lerem connosco. Por fim, chegou a minha vez e só, perante o público, despi as minhas sombras e dei voz ao meu silêncio. Tinha ainda 28 anos e senti o peso do mundo na boca e a eternidade num instante.


Vinte anos depois, já não digo "tinha ainda 28 anos"; digo, "tenho ainda". Apesar de ter perdido o contacto com a maioria das pessoas que fizeram aquela workshop comigo; apesar do meu mestre viver a mais de trezentos quilómetros de distância, apesar do meu pai, morto, mas sempre vivo em mim; apesar de tudo o quanto deixei e o quanto não ficou por dizer, tenho ainda o mesmo toque, o golpe de asa que falava Pessoa, a mesma vontade de respirar a Poesia que passou a fazer parte de mim e o silêncio que esculpo, com prazer e dor, para moldar a sua forma.


Tiago Moita


19 de Março de 2024


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segunda-feira, 18 de março de 2024

NUNO JÚDICE: CRÓNICA DE UM TESTEMUNHO (COM) SENTIDO


 NUNO JÚDICE: CRÓNICA DE UM TESTEMUNHO (COM) SENTIDO

Conheci pessoalmente Nuno Júdice numa palestra que ocorreu no auditório do Museu da Chapelaria de São João da Madeira, no dia 8 de Junho de 2011, pelas 21H30, com o professor Paz Barroso e o vice-presidente da Câmara Municipal de São João da Madeira, o doutor Rui Costa, intitulada "O Chapéu e a Poesia". Acompanhava a sua poesia desde 2004, muito por causa do "Poesia à Mesa" desse ano o ter homenageado e lembro-me do nervosismo que senti quando o doutor Rui Costa me apresentou a ele. Parecia estar na presença de um gigante e de um sábio no pensamento e no ofício da palavra escrita. Desde então só consegui falar com ele por e-mail. Nunca me desprezou e deu-me excelentes dicas que eu jamais esquecerei, principalmente, o rasgado elogio que ele me fez e que poderão encontrar no meu terceiro livro de Poesia "Metanoia". 

Poderia citar todos os prémios, louvores e menções honrosas que recebeu em vida, bem como de todos as obras que escreveu. Preferi deixar, em forma de homenagem, um dos seus mais belos poemas no mural do meu Facebook, como forma de lhe dizer obrigado por tudo o que fez a mim e a tod@s leitor@s e poetas que leram os seus poemas e transformaram a sua escrita à custa do fulgor das suas palavras.

Deixou-nos ontem, domingo, dia 17 de Março de 2024, aos 74 anos e foi uma das últimas lendas desse século dourado para a Poesia Portuguesa que foi o século vinte, a par de nomes como Fernando Pessoa, Herberto Hélder, Sophia de Mello Breyner, Eugénio de Andrade ou Al Berto. 

Para sempre, Nuno Júdice (1949-2024)

PLANO 

Trabalho o poema sobre uma hipótese: o amor

que se despeja no copo da vida, até meio, como se

o pudéssemos beber de um trago. No fundo,

como o vinho turvo, deixa um gosto amargo na

boca. Pergunto onde está a transparência do

vidro, a pureza do líquido inicial, a energia

de quem procura esvaziar a garrafa; e a resposta

são estes cacos, que nos cortam as mãos, a mesa

da alma suja de restos, palavras espalhadas

num cansaço de sentidos. Volto, então, à primeira

hipótese. O amor. Mas sem o gastar de uma vez,

esperando que o tempo encha o copo até cima,

para que o possa erguer à luz do teu corpo

e veja, através dele, o teu rosto inteiro.

Nuno Júdice. 

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