sexta-feira, 18 de maio de 2007

SESSÃO "À CONVERSA COM...VALTER HUGO MÃE" NA LIVRARIA ENTRELINHAS EM SÃO JOÃO DA MADEIRA (12.05.2007)

 


Valter Hugo Mãe com Cristina Marques na Livraria
Entrelinhas em São João da Madeira (11.05.2007)

VALTER HUGO MÃE EM SÃO JOÃO DA MADEIRA

Eu conheci pessoalmente Valter Hugo Mãe há três anos atrás e não sabia que ele era escritor e poeta. Foi numa sexta-feira, dia 11 de Junho de 2004, quando fui de propósito a Vila Nova de Famalicão para ter uma reunião com o editor Jorge Reis-Sá das Edições Quasi - a primeira editora que contactei para ler, analisar e, se possível, editar o meu primeiro livro "Ecos Mudos" (coisa que acabou por não acontecer), que estava marcada para as 14H30. E quem é que me foi buscar à estação de comboios para me levar para a sede da Quasi? O Valter! Muito simpático mas de poucas palavras. Ouviu-me com muita atenção a respeito do meu primeiro projecto literário, mostrou-se muito interessado com a minha primeira obra. Depois desse dia, nunca mais o vi nem ouvi falar dele até o dono da livraria entrelinhas, Ricardo Almeida falar dele, mas, até à sessão de ontem, confesso que não associei o nome deste escritor com o homem que me levou de ida e volta da estação de comboios de Vila Nova de Famalicão até à sede da Quasi com o escritor e poeta que fora entrevistado e homenageado na livraria do Ricardo e da Filomena.

A sessão "À Conversa com...Valter Hugo Mãe" ficou marcada para as 21H30, mas eu cheguei uns dez minutos mais tarde. A sala onde ocorrera a sessão estava cheia (ou "à cunha" como se costuma dizer). Ao lado do escritor e poeta natural de Vila de Conde, estava a professor Cristina Marques - que conheci pessoalmente em Fevereiro, na sessão de apresentação do novo romance de José Luís Peixoto "Cemitéro de Pianos", nessa mesma livraria, como acabei de mencionar num post deste blog mais atrás. Valter Hugo Mãe revelou nessa sessão uma aparência tímida, suave, escondida num rosto discreto e tranquilo, mas não teve o menor pudor em aparecer completamente nu na capa do seu livro "Pornografia Erudita". "Sou muito tímido, mas tenho muita lata", confessou. E logo a seguir disse uma frase que revelou como incorpora a incoerência e o paradoxo como linhas delineadoras da sua identidade: "Se eu pudesse, gostava de ser outra pessoa".

Talvez por sentir uma necessidade constante em "iludir os outros" e de "procurar o lugar do outro", escreveu o seu mais recente livro de Poesia, "Pudorgrafia Erudita" (Cosmorama, 2007). Apesar de esta ser, segundo o escritor e poeta vilacondense, a sua 11.ª obra, Valter Hugo Mãe confessou que os seus cinco primeiros trabalhos foram "muito maus".

Tal como uma criança vivia iludido a cavar buracos na terra e a encher água para que dali nascessem peixes, Valter Hugo Mãe cava poemas numa busca incessante dos vários eus que o definem e moldam. Contrói possibilidades infindas nos conteúdos e até na forma linguística, questionando sempre, ainda que sem pretender, encontrar uma resposta. São os "caminhos ilusórios" que procura, enquanto se passeia, sem sair do mesmo local onde vive há muitos anos: Vila do Conde. Porém, neste versos mais maduros, o poeta já não pergunta: "Agora respondo a mim próprio" (sic).

Folheando o seu último livro de Poesia, Valter Hugo Mãe destila sarcasmo e ironia ao recitar "Margarida faz esborre" 

"O senhor monstro quer sentar-se
mas tem entre as pernas
a margarida que lhe entrou pelo cu"

A voz macia, ensaboada de malícia sai-lhe da boca e dispara subitamente contra a protagonista da trama. Dirige o poema a uma pessoa em particular e só não o assume verdadeiramente, com receio de mais um processo em tribunal, confessa entre risos. Mas a cumplicidade com o público é desarmante e Valter Hugo Mãe acaba por revelar: "É a Margarida Rebelo Pinto", enquanto recorda a polémica que resultou da publicação do livro "Couves & Alforrecas, Os Segredos da Escrita de Margarida Rebelo Pinto", que analisa de forma muito crítica a obra da autora de "Sei Lá".

Impaciente por natureza, mudou completamente de estilo quando resolveu começar a escrever prosa e viu editados os seus dois primeiros romances: "O Nosso Reino" (Quid Novi, 2005) e "O Remorso de Baltazar Serapião" (Quid Novi, 2006). Segundo a professora Cristina Marques, encontramos nas páginas do primeiro uma escrita violenta e agressiva, a roçar o pornográfico: "Mata a mãe, metendo-lhe a mão pela vagina e arranca-lhe tudo", segundo uma passagem lida pela professora sanjoanense.

Segundo Valter Hugo Mãe, a ficção apareceu-lhe na sua vida literária sem o avisar, fruto do acaso e de uma necessidade mais intrínseca de libertação: "No frenesim de ter que escrever uma tese de mestrado de 50 páginas em 15 dias, peguei numa frase que tinha no desktop do computador - "Era o homem mais triste do mundo" - e, em vez de escrever um romance", explicou.

Sem abandonar a Poesia, experimentou este outro género literário, numa tentativa de superação de si próprio: "A Arte é insatisfação", afirmou. E partiu à procura de novos desafios, porque há tinha descoberto a receita de fabricar versos bem sucedidos "Se quisesse podia estar sempre a parir poemas, por isso, tinha de me zerar", confessou.

Segundo a professora Cristina Marques, Valter Hugo Mãe abriu um novo caminho na Literatura Portuguesa devido à forma como trabalha com o grotesco na realidade, recusando a "semântica fossilizada", salientou a professora de Português e amiga do escritor que fez a apresentação da obra e do autor. De acordo com a especialista em Literatura, "a morte, o eu nos outros e os outros no eu e a poesia como libertação são as três pedras basilares" dos seus trabalhos.

Segundo o que eu apurei nessa sessão, Valter Hugo Mãe é licenciado em Direito, dirige, neste momento a editora Objecto Cardíaco e vive em Caxinas, Vila do Conde, deliciando-se com "as coisas simples da vida", confessou. Tem 11 obras poéticas e duas incursões na ficção, para além de ter escrito a letra para a música de Paulo Prata que passa na série "Floribella" na SIC.

No final da sessão, cumprimentei e revelei-lhe que era o escritor e poeta que ele conhecera em 2004 em Vila Nova de Famalicão. Para surpresa minha, reconheceu-me.

TIAGO MOITA

(P.S: Parte deste texto foi retirado da crónica que a jornalista Salomé Pinto fez para o Jornal Sanjoanense "Labor")

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