O MOSTRENGO
O mostrengo que está no fim do mar
na noite de breu ergueu-se a voar;
à roda da nau rodou três vezes,
rodou três vezes a chiar,
e disse "Quem é que ousou entrar
nas minhas cavernas que não desvendo,
meus tectos negros do fim do mundo?"
E o homem do leme disse, tremendo,
"El-Rei D. João Segundo!"
"De quem são as velas de onde me roço?
De quem as quilhas que vejo e ouço?"
Disse o mostrengo e rodou três vezes.
Três vezes rodou imundo e grosso.
"Quem vem poder o que só eu posso,
Que moro onde nunca ninguém me visse
e escorro os medos do mar sem fundo?"
E o homem do leme tremeu, e disse:
"El-Rei D. João Segundo!"
Três vezes do leme as mãos ergueu
Três vezes ao leme as repreendeu
E disse no fim de tremer três vezes:
"Aqui ao leme sou mais do que eu:
Sou um povo que quer o mar que é teu;
e mais que o mostrengo que me alma teme
e roda nas trevas do fim do mundo,
manda a vontade que me ata ao leme,
de El-Rei D. João Segundo!"
Fernando Pessoa
"Mensagem"
1934
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