"Tinha todos os motivos para amaldiçoar o mundo e o dia em que nascera; no entanto, sorria. Não pronunciara uma palavra ou gesto de desespero, desde a sua captura. Os guardas tinham sido menos cruéis com ele, do que os romanos tinham sido com Jesus Cristo. No entanto, a resistência física e o comportamento desse prisioneiro deixavam desassossegado, e em alerta permanente, qualquer um dos carcereiros, que observavam aquele ser humano, à mercê dos quatro elementos da natureza - cinco, segundo os orientais -, e da gula das ratazanas que, ocasionalmente, circulavam pela torre e dos corvos da cidade e milhafres vindos do Grande Deserto. Alguns dos guardas chegavam a fazer apostas chorudas sobre a data e a hora certas da rendição daquele condenado; outros analisavam, meticulosamente, o seu estado de enigmática lucidez e serenidade perante toda aquela adversidade.
Em circunstâncias normais, sofreria de Hipotermia pela fúria dilacerante da chuva fina e do vento lavrador, de alucinações, cegueira e insolação, provocada pela luz dantesca do sol; dormência latejante semelhante a um desfile de formigas imaginárias, olhos vazios de lágrimas para narrar uma dor ou uma saudade, um corpo carcomido e fustigado pela gula e rapina das aves da cidade e do deserto, fazendo da agonia e do desespero porta-vozes do seu corpo e da sua alma."
(...)
Tiago Moita
"O Evangelho do Alquimista"
Colecção "Viagens na Ficção"
Chiado Editora
2016
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