"SE"
"Se podes conservar o teu bom senso e a calma
No mundo a delirar para quem o louco és tu...
Se podes crer em ti com toda a força de alma
Quando ninguém te crê...Se vais faminto e nu,
Trilhando sem revolta um rumo solitário...
Se à torva intolerância, à negra incompreensão,
Tu podes responder subindo o teu calvário
com lágrimas de amor e bênçãos de perdão...
Se podes dizer bem de quem te calunia...
Se dás ternura em troca aos que te dão rancor
(mas sem a afetação de um santo que oficia
Nem pretensões de sábio a dar lições de amor)...
Se podes esperar sem fatigar a esperança...
Sonhar, mas conservar-te acima do teu sonho...
Fazer do pensamento um arco de aliança
Entre o clarão do inferno e a luz do céu risonho...
Se podes encarar com indiferença igual
O triunfo e a derrota, eternos impostores...
Se podes ver o bem oculto em todo o mal
E resignar sozinho o amor dos teus amores...
Se podes resistir à raiva e à vergonha
De te envenenar as frases que disseste
E que um velhaco emprega eivadas de peçonha
Com falsas intenções que tu jamais lhe deste...
Se podes ver por terra as obras que fizeste
Vaiadas por malsins, desorientando um povo,
E sem dizeres uma palavra, e sem um termo agreste,
Voltares ao princípio a construir de novo...
Se puderes obrigar o coração e os músculos
A renovar um esforço há muito vacilante,
Quando no teu corpo, já afogado em crepúsculos,
Só existia a vontade de comandar avante...
Se vivendo entre o povo és virtuoso e nobre...
Se vivendo entre os reis, conservas a humildade...
Se inimigo ou amigo, o poderoso e o pobre
São iguais para ti à luz da eternidade...
Se quem conta contigo encontra mais que a conta
Se podes empregar os sessenta segundos
Do minuto que passa em hora de tal monta
Que o minuto se espraie em séculos fecundos...
Então, ó ser sublime, o mundo inteiro é teu!
Já dominaste os tempos, os reis, os espaços!...
Mas, ainda para além, um novo sol rompeu,
Abrindo o infinito ao rumo dos teus passos.
Pairando numa esfera acima deste plano,
Sem receares jamais os teus erros te retomem,
Quando já nada houver em ti que seja humano,
Alegra-te, meu filho, então serás um homem!"
RUDYARD KIPLING
Escritor e poeta Britânico
Vencedor do Prémio Nobel da Literatura em 1907
(1865-1936)
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