quinta-feira, 26 de abril de 2007

LUIS DE AGUIAR APRESENTOU O SEU 4.º LIVRO DE POESIA "ROSTOS DESCALÇOS" EM SÃO JOÃO DA MADEIRA (21.04.2007)


Da esquerda para a direita: professor DJalma Marques. Luís de Aguiar e o presidente da Palimage Editora

OS "ROSTOS DESCALÇOS" DE LUÍS DE AGUIAR 

Foi num ambiente quase familiar que ocorreu no passado Sábado, dia 26 de Abril de 2007, pelas 21H30, a sessão de apresentação do quarto livro de Poesia do poeta oliveirense Luís de Aguiar "Rostos Descalços" (Palimage, 2006), na Livraria "Entrelinhas" em São João da Madeira. 

O presidente da Palimage foi o primeiro a falar. Mencionou todo o percurso da sua editora e o grande orgulho que tem em ter, no catálogo de autores da sua editora, um poeta tão talentoso, inovador e laureado como Luís de Aguiar. O professor Djalma Marques, que apresentou a obra, realçou este livro como algo que "tenta despertar-nos do sono."

Segundo o poeta que "ama todas as perdas" e "todas as aparições", este livro é o seu quarto livro, mas sente-o como se fosse o primeiro, por ser uma obra em que se estreia a escrever não sobre si próprio, mas "sobre todos e cada um.". "É um sair e um entrar, é uma nova fronteira, um marco novo na minha escrita", salientou.

A obra em questão foi distinguida com o 1º prémio de Poesia Montijo Jovem 2005. Segundo Luís de Aguiar, estes poemas foram escritos em apenas três dias, durante uma viagem a Itália em que foi receber um prémio obtido no Concorso Internazionale di Poesia Castello di Duino e que "retrata vivências marginais, gestos obscenos, quase pornográficos.". O autor de "Filhos Raianos" (seu terceiro livro de Poesia, também editado pela Palimage em 2006. Vencedor do 1.º Prémio do Concurso Jovens Criadores de Idanha, comemorações dos 800 anos, nesse mesmo ano) disse, a respeito do seu novo poemário, que "enquanto seres humanos, todos vestimos rostos, vestimos a máscara e somos o outro", por isso, "o rosto descalço é uma utopia". Ainda acerca do seu novo livro, o poeta descreve esse poemas como "velhos" porque foram escritos em Março de 2005, mas, ao mesmo tempo, são "novos", porque iniciam uma nova fase na escrita de Luís de Aguiar.

No fim da sessão, todos os presentes foram ter com o autor para receber um autógrafo da sua parte e uma fatia do (delicioso) bolo de chocolate da sua amiga Rosário Batista, que o cofeccionou, de propósito, para esta sessão.

Tiago Moita
26.04.2007

Deixo-vos com um dos poemas deste livro:

"As pessoas arrastam-se pelas ruas.
definham os seus rostos contra as montras,
petrificam-se sem a volúvel pele que as cobre,
procuram, incessantemente, nos vidros do céu,
um espelho, um deus. procuram a imagem
das suas vozes. são humanos, inalteráveis,
e arrastam-se em sorrisos longos, em sorrisos
moribundos, nos seus corpos gastos.
e nenhuma sílaba é arrancada das suas bocas,
nenhum eco, nenhuma vida.
as pessoas fingem serem pessoas e misturam-se
ao movimento dos carros, misturam-se à sede
dos cães vadios, misturam-se ao rastro de sangue
que as velhas casas deixam nas pálpebras de pele.
os corpos erguem os braços, quase que rasgam
os pulsos ou os ombros, recostam-se à luz dos dias
e voltam a arrastarem-se pelas ruas, cientes que
a solidão, um dia, há-de entrar numa gota de lume."

Luís de Aguiar
"Rostos Descalços"
Palimage
2006

sexta-feira, 20 de abril de 2007

TIAGO MOITA NO FILO CAFÉ "RITOS E RITUAIS"



No Filo Café de 24 de Março, esteve também presente o escritor e poeta Sanjoanense Tiago Moita, que aproveitou a sessão cultural no Clube Literário do Porto para intervir, apresentando algumas opiniões sobre um dos temas em discussão e declamando dois poemas sobre o tema do Filo-Café: um de Luiza Neto Jorge e outro da sua Autoria.

RITUAL

A jarra tombou

A água correu sobre a mesa

As flores calaram-se aos poucos

o espantalho tocou o acordeão

A criança cansou-se do vento

desatou as sandálias

O mar meditou duas vezes

qual o horizonte

Do sótão a galinha presa

viu um avião voar

Uns quantos vestiram-se de negro

viveram da morte dos outros

Suicidou-se uma sombra

debaixo do meu pé

A mulher vestiu-se de branco

para a Ressurreição

O país desbotou

no mapa das escolas

Amor que esperas de mim

a não ser eu.

LUIZA NETO JORGE, " Quarta Dimensão"

DÓLMEN

Longe é a distância

que o tempo guarda na sua memória

um silêncio que se despe

por detrás das sombras das palavras

um eco mudo estrebuchando

do umbigo de um espelho

uma lembrança por apagar

do suicídio de uma lágrima

Um sino toca no interior de uma gruta

um gesto devolve à terra a sua língua

uma luz dispara da garganta de um poço

para uma multidão com olhos de cera,

telhados de vidro debaixo de máscaras de plástico

de costas voltadas para um tempo

gasto pela usura dos seus ponteiros

Foi desligada a tomado do pensamento...

Cérebro em piloto automático...

A cerimónia começa com uma explosão de cores e de sons

um caleidoscópio cego, carregado de hipérboles e adjectivos,

dispara ordens em discurso directo

para o coração dos seus discípulos

O amor aparece sublinhado em legendas

por uma ejaculação precoce de sentidos

o sonho é um vampiro com asas de anjo

que suga da mente o sangue frio dos dias

Felicidade é uma promessa entregue a uma roleta russa

Verdade, uma palavra esquecida nas páginas de um dicionário

Últimas orações:

Uma moeda com uma palavra de fogo cai na ponta de cada língua

e um fio de água benta escorre da palma de uma mão invisível sobre testas de barro

o espírito desperta do sonho que fez de si próprio

o mundo despede-se dos olhos que o despiram

Fim da Emissão

TIAGO MOITA, 24-03-2007

SOBRE O FILO CAFÉ "RITOS E RITUAIS"

Numa atmosfera de grande expectativa e entusiasmo, decorreu no dia 24 de Março, Sábado, por volta das 21H30, o Filo-Café "Ritos e Rituais" no Clube Literário do Porto. Um Filo.Café marcado por uma intensa discussão filosófica aonde os modos de expressão demarcaram-se do formalismo sintético existente em certas tertúlias convencionais e aonde o pensamento se confundiu com a arte. A arte com a manifestação. O devir com a antítese.

Para além do debate, contou-se também com a performance plástica da jovem escritora Sílvia Zayas: Jovem Luso-Galega que lançou nessa noite a sua mais recente obra poética "Amalaya!", na presença de artistas, escritores e outros convidados vindos de Portugal e da Galiza.
Aqui ficam algumas fotos desse evento:

Sílvia Zayas (Sentada no chão) no Filo-Café do Porto

Silvia Zayas dando início à sua performance



Alberto Miranda dando início ao Filo-Café "RITOS E RITUAIS"


Aspecto do local aonde se desenrolou o Filo-Café

O filósofo e poeta Alexandre Teixeira Mendes batendo
palmas durante uma intervenção no Filo-Café "RITOS E
RITUAIS"



Uma parte do público que assistiu ao Filo-Café "RITOS E
RITUAIS"

Sílvia Zayas em plena performance

Sílvia Zayas em plena performance (II)

Sílvia Zayas em plena performance (III)

Sílvia Zayas em plena performance (IV)

Tiago Moita (Esquerda, ao fundo) aplaudindo uma das
intervenções e Amílcar Mendes (Canto Direito)

O Poeta e advogado Aurelino Costa


Carlos Gil no Filo-Café "RITOS E RITUAIS"

A poeta luz Gomes, de monção, no Filo-Café "RITOS E
RITUAIS"

O escritor e poeta Rogério Carrola, de Vila
Nova de Sto. André no Filo-Café "RITOS E
RITUAIS"

Alguns dos convidados e amigos de Sílvia Zayas, vindos da
Galiza

Jorge Taxa intervindo no Filo-Café "RITOS E RITUAIS"

A fotógrafa Cubana Deborah Nofret (en) cantando no filo
Café "RITOS E RITUAIS"
A artista Alice Valente, de Lisboa, no Filo-Café "RITOS E
RITUAIS"



Uma foto da Escritora
e Poeta Sandra Costa
Para finalizar, deixo-vos com um excerto do livro Bilingue de poesia de Sílvia Zayas "Amalaya!"
INSTRUÇÕES PARA COMER TERRA
1. Chegar o ouvido à língua da terra:
A sua história infeliz repete lagartos falantes. Aprendo a sua
linguagem.
2. Reptar, deixar que entre:
A minha boca mastiga terra. Recinto fechado sem mundo.
Meço as minhas entranhas como quem mede um pássaro.
Sento-me na pedra contorcionista com as pernas viradas
para o cume da montanha. Doí.
3. Avançar uns metros:
Deixo espaço, imito o som da gravilha quando o vento brinca
com ela. Fumeio a poeira para cima, faço-me minúscula e plana.
Fiadas de arame rente a mim esburacam-me as costas
com as suas faces metálicas.
4. Olhar para cima com a boca cheia de terra:
Tudo se alarma longe, grande. Reza inalcançável o feixe de
luz e não me remenda sacramento nenhum.
5. Medir o movimento:
Tenho medo ao barulho do meu corpo.
6. Deixar-se estar em silêncio:
Habito uma madrigueira com pelugens de mamíferos que
nunca lá esteve. Cobre-me a mão da noite, com o mal que lhe
haja dado algum animal pré-histórico, quero deter o tempo
como a mentira do chapeleiro que obstruiu o seus relógios à
hora combinada, para me acocorar numa estrela.
7. Fazer um ritual inútil com cardos e folhada (que não
mudará o mundo):
Golpeio madeira como louca, a louca da terra, a louca da raiz, a
louca loucura.
8. Conhecer/ amanhecer:
Procuro um pássaro para me alimentar do seu voo, com
desejo exacto de ave e de cegar o ar em tantos pedaços como
pari a alma. Súbito e pele, caminha-me por cima o vesgo e olha
para mim atravessando. Ata-me ao verso. Enfeitiço-me ao
malefício do verso, ao seu estigma, à sua dificuldade em ser
quotidiana.
9. Gritar AMALAYA:
levanto-me atordoada. Malhayada, decido o movimento. O
vesgo é o poeta e dá-me o encantamento do olhar. Já não há
prodígio nenhum que me devolva a cegueira.
10. Já de pé, avançar aos saltos pela circunferência
do mundo.

LANÇAMENTO DO LIVRO "ROSTOS DESCALÇOS" DE LUÍS DE AGUIAR

Este sábado, dia 21 de Abril, a partir das 21H30,vai ter lugar na Livraria Entrelinhas, em S. João da Madeira, a sessão de lançamento do Livro de poesia "ROSTOS DESCALÇOS" do poeta Oliveirense Luís de Aguiar.

Este livro foi distinguido pelo primeiro prémio de poesia Montijo Jovem 2005.

quinta-feira, 12 de abril de 2007

DA APRESENTAÇÃO DO LIVRO "A CIDADE LÍQUIDA E OUTRAS TEXTURAS" DE FILIPA LEAL EM SÃO JOÃO DA MADEIRA (11.04.2007)


"A POETA LÍQUIDA"

O que me levou a deslocar à Biblioteca Municipal Dr. Renato Araújo em São João da Madeira, naquela quarta-feira à noite, dia 11 de Abril de 2007, para assistir à sessão de apresentação do livro "A Cidade Líquida e Outras Texturas" de uma tal Filipa Leal - nome que, até àquele dia, desconhecia por completo -, é um autêntico mistério.

É verdade que, desde que descobri a minha condição de Escritor, sempre quis conhecer, de perto, outros poetas e escritores - principalmente novos talentos -, trocar impressões e experiências, testemunhos e até, inclusive, textos, poemas ou até mesmo livros. Todavia, naquele dia, tinha tanta coisa para fazer que descartei a hipótese de assistir à apresentação do livro desta jovem poeta.

Subitamente, como por magia, consegui resolver tudo o que tinha para fazer naquele dia mas, mesmo assim, não sentia a mínima vontade em ir à sessão de apresentação do mais recente livro daquela poeta portuense. Eis quando sou, subitamente acometido por um impulso misterioso e transcendental que literalmente me obrigou a assistir àquele evento, como se fosse o próprio destino a empurrar-me com a sua mão invisível para fora de casa, obrigando-me a escrever um novo capítulo da história da minha vida.

Ainda hoje desconheço o que esteve por detrás desse enigmático instinto. Quando lá cheguei, encontrei um número tão escasso de pessoas quanto os dedos das minhas mãos. A poeta, acompanhada pelo seu editor António Luís Catarino, da Deriva Editora, pela minha amiga e directora da Biblioteca Municipal Dr. Renato Araújo em São João da Madeira, Dr.ª Maria Helena Cruz, fizeram os agradecimentos e respectivas apresentações a todos os presentes. O editor apresentou, como é da praxe, a sua editora, a obra e, é claro, a poeta. O que aconteceu depois foi um momento de rara epifanía.

Não sei bem como explicar mas, quando olhei para aqueles olhos tristes, doces e castanhos e aquele sorriso lunar, em forma de quarto minguante, senti a energia da sua aura a invadir a minha, como se a minha alma e o meu coração dessem, incondicionalmente, permissão para a sua energia penetrar na minha essência, sem que eu sentisse qualquer problema em ser invadido por aquela misteriosa força provinda daquela talentosa jovem, bela (sem sombra de dúvidas) e enigmática mulher que, naquela sessão, parecia sentir-se desconfortável e começou a comportar-se como uma professora universitária muito séria, a dar uma aula aos seus alunos.


A jornalista, poeta e escritora Filipa Leal

Metafísicas à parte - e segundo o que eu apurei nos dias seguintes a este evento -, a Poesia de Filipa Leal é considerada "inumana e luminosa". Em relação ao livro em questão "A Cidade Líquida e Outras Texturas", Filipa encontra o seu "eu entre parêntesis" devido a uma forte necessidade de comunicação que advém, em parte, da sua actividade permanente como jornalista. E sublinha que este livro fala dela e, ao mesmo tempo, do mundo, através de si própria, mais velada do que na sua última obra "Talvez os Lírios Compreendam" (Cadernos do Campo Alegre, 2004). Uma obra carregada de uma carga simbólica de palavras que amam e conhecem a linguagem e os respiros do amor. Numa escrita arejada, Filipa consegue impregnar os seus poemas de palavras que traduzem o quotidiano nos caminhos da liberdade, uma procura permanente da harmonia que o torna mais límpido e transparente.



Segundo a jornalista do jornal "Labor", Salomé Pinto, "A metáfora é exterior, é uma imagem cinematográfica, mas não mais do que um holograma da personalidade de quem a escreve. Filipa Leal parte da descrição de uma "cidade terrível, líquida, que se libertou do continente, que vai afogando as cidades costeiras e nas quais as pessoas morrem de vaidade, porque estão a olhar a cidade líquida, ou seja, estão a olhar para si próprias, a ponto de a cidade tornar-se a própria pessoa" que se despega do continente, mas afasta qualquer semelhança com "A Jangada de Pedra" de José Saramago. Trata-se de uma cidade de água, líquida e transparente, que engole as terras costeiras e as pessoas que dela se aproximam para se contemplarem no enorme lençol espelhado.

O retrato da cidade, que nasce do imaginário poético da escritora, poeta e jornalista portuense, está povoado de seres humanos, os amigos e a família, que lhe abrem a porta da casa para ela habitar, com quem segura um diálogo permanente. O texto, recheado de metáforas e de frases precisas e expressivas, oferece-nos uma visão aquática da cidade. Uma "Cidade Líquida", que entrelaça uma comunhão com os barcos, com quem aprende a mover-se, para chegar ao cais da partida. E, tal como os barcos, essa cidade conhece as marés e com elas aprende a pescar e amar, ao cair da tarde.

De acordo com a poeta, "As pessoas morrem de vaidade", uma alegoria que fez com que Filipa dividi-se a sua obra em três partes: "Cidade Líquida", "Nós, a cidade" e "Cidade Desconhecida".

Segundo, o jornalista do jornal semanário "O Regional", António Gomes Costa, "Filipa Leal, bem ao jeito daquilo a que já nos habituou, brinca com as palavras feitas de sentimentos, de olhos atentos na fotografia com que a sua objectiva procura apanhar a cidade, espelhando o amor, em poemas que só "aquela glória" sabe conhecer, para que a cidade e o rio, olhos nos olhos, saibam ler aquilo que o seu silêncio significa."

Sem dúvida, uma poeta a ter em conta nos próximos tempos.

Tiago Moita.