No Filo Café de 24 de Março, esteve também presente o escritor e poeta Sanjoanense Tiago Moita, que aproveitou a sessão cultural no Clube Literário do Porto para intervir, apresentando algumas opiniões sobre um dos temas em discussão e declamando dois poemas sobre o tema do Filo-Café: um de Luiza Neto Jorge e outro da sua Autoria.
RITUAL
A jarra tombou
A água correu sobre a mesa
As flores calaram-se aos poucos
o espantalho tocou o acordeão
A criança cansou-se do vento
desatou as sandálias
O mar meditou duas vezes
qual o horizonte
Do sótão a galinha presa
viu um avião voar
Uns quantos vestiram-se de negro
viveram da morte dos outros
Suicidou-se uma sombra
debaixo do meu pé
A mulher vestiu-se de branco
para a Ressurreição
O país desbotou
no mapa das escolas
Amor que esperas de mim
a não ser eu.
LUIZA NETO JORGE, " Quarta Dimensão"
DÓLMEN
Longe é a distância
que o tempo guarda na sua memória
um silêncio que se despe
por detrás das sombras das palavras
um eco mudo estrebuchando
do umbigo de um espelho
uma lembrança por apagar
do suicídio de uma lágrima
Um sino toca no interior de uma gruta
um gesto devolve à terra a sua língua
uma luz dispara da garganta de um poço
para uma multidão com olhos de cera,
telhados de vidro debaixo de máscaras de plástico
de costas voltadas para um tempo
gasto pela usura dos seus ponteiros
Foi desligada a tomado do pensamento...
Cérebro em piloto automático...
A cerimónia começa com uma explosão de cores e de sons
um caleidoscópio cego, carregado de hipérboles e adjectivos,
dispara ordens em discurso directo
para o coração dos seus discípulos
O amor aparece sublinhado em legendas
por uma ejaculação precoce de sentidos
o sonho é um vampiro com asas de anjo
que suga da mente o sangue frio dos dias
Felicidade é uma promessa entregue a uma roleta russa
Verdade, uma palavra esquecida nas páginas de um dicionário
Últimas orações:
Uma moeda com uma palavra de fogo cai na ponta de cada língua
e um fio de água benta escorre da palma de uma mão invisível sobre testas de barro
o espírito desperta do sonho que fez de si próprio
o mundo despede-se dos olhos que o despiram
Fim da Emissão
TIAGO MOITA, 24-03-2007
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