"A POETA LÍQUIDA"
O que me levou a deslocar à Biblioteca Municipal Dr. Renato Araújo em São João da Madeira, naquela quarta-feira à noite, dia 11 de Abril de 2007, para assistir à sessão de apresentação do livro "A Cidade Líquida e Outras Texturas" de uma tal Filipa Leal - nome que, até àquele dia, desconhecia por completo -, é um autêntico mistério.
É verdade que, desde que descobri a minha condição de Escritor, sempre quis conhecer, de perto, outros poetas e escritores - principalmente novos talentos -, trocar impressões e experiências, testemunhos e até, inclusive, textos, poemas ou até mesmo livros. Todavia, naquele dia, tinha tanta coisa para fazer que descartei a hipótese de assistir à apresentação do livro desta jovem poeta.
Subitamente, como por magia, consegui resolver tudo o que tinha para fazer naquele dia mas, mesmo assim, não sentia a mínima vontade em ir à sessão de apresentação do mais recente livro daquela poeta portuense. Eis quando sou, subitamente acometido por um impulso misterioso e transcendental que literalmente me obrigou a assistir àquele evento, como se fosse o próprio destino a empurrar-me com a sua mão invisível para fora de casa, obrigando-me a escrever um novo capítulo da história da minha vida.
Ainda hoje desconheço o que esteve por detrás desse enigmático instinto. Quando lá cheguei, encontrei um número tão escasso de pessoas quanto os dedos das minhas mãos. A poeta, acompanhada pelo seu editor António Luís Catarino, da Deriva Editora, pela minha amiga e directora da Biblioteca Municipal Dr. Renato Araújo em São João da Madeira, Dr.ª Maria Helena Cruz, fizeram os agradecimentos e respectivas apresentações a todos os presentes. O editor apresentou, como é da praxe, a sua editora, a obra e, é claro, a poeta. O que aconteceu depois foi um momento de rara epifanía.
Não sei bem como explicar mas, quando olhei para aqueles olhos tristes, doces e castanhos e aquele sorriso lunar, em forma de quarto minguante, senti a energia da sua aura a invadir a minha, como se a minha alma e o meu coração dessem, incondicionalmente, permissão para a sua energia penetrar na minha essência, sem que eu sentisse qualquer problema em ser invadido por aquela misteriosa força provinda daquela talentosa jovem, bela (sem sombra de dúvidas) e enigmática mulher que, naquela sessão, parecia sentir-se desconfortável e começou a comportar-se como uma professora universitária muito séria, a dar uma aula aos seus alunos.
A jornalista, poeta e escritora Filipa Leal
Metafísicas à parte - e segundo o que eu apurei nos dias seguintes a este evento -, a Poesia de Filipa Leal é considerada "inumana e luminosa". Em relação ao livro em questão "A Cidade Líquida e Outras Texturas", Filipa encontra o seu "eu entre parêntesis" devido a uma forte necessidade de comunicação que advém, em parte, da sua actividade permanente como jornalista. E sublinha que este livro fala dela e, ao mesmo tempo, do mundo, através de si própria, mais velada do que na sua última obra "Talvez os Lírios Compreendam" (Cadernos do Campo Alegre, 2004). Uma obra carregada de uma carga simbólica de palavras que amam e conhecem a linguagem e os respiros do amor. Numa escrita arejada, Filipa consegue impregnar os seus poemas de palavras que traduzem o quotidiano nos caminhos da liberdade, uma procura permanente da harmonia que o torna mais límpido e transparente.
Segundo a jornalista do jornal "Labor", Salomé Pinto, "A metáfora é exterior, é uma imagem cinematográfica, mas não mais do que um holograma da personalidade de quem a escreve. Filipa Leal parte da descrição de uma "cidade terrível, líquida, que se libertou do continente, que vai afogando as cidades costeiras e nas quais as pessoas morrem de vaidade, porque estão a olhar a cidade líquida, ou seja, estão a olhar para si próprias, a ponto de a cidade tornar-se a própria pessoa" que se despega do continente, mas afasta qualquer semelhança com "A Jangada de Pedra" de José Saramago. Trata-se de uma cidade de água, líquida e transparente, que engole as terras costeiras e as pessoas que dela se aproximam para se contemplarem no enorme lençol espelhado.
O retrato da cidade, que nasce do imaginário poético da escritora, poeta e jornalista portuense, está povoado de seres humanos, os amigos e a família, que lhe abrem a porta da casa para ela habitar, com quem segura um diálogo permanente. O texto, recheado de metáforas e de frases precisas e expressivas, oferece-nos uma visão aquática da cidade. Uma "Cidade Líquida", que entrelaça uma comunhão com os barcos, com quem aprende a mover-se, para chegar ao cais da partida. E, tal como os barcos, essa cidade conhece as marés e com elas aprende a pescar e amar, ao cair da tarde.
De acordo com a poeta, "As pessoas morrem de vaidade", uma alegoria que fez com que Filipa dividi-se a sua obra em três partes: "Cidade Líquida", "Nós, a cidade" e "Cidade Desconhecida".
Segundo, o jornalista do jornal semanário "O Regional", António Gomes Costa, "Filipa Leal, bem ao jeito daquilo a que já nos habituou, brinca com as palavras feitas de sentimentos, de olhos atentos na fotografia com que a sua objectiva procura apanhar a cidade, espelhando o amor, em poemas que só "aquela glória" sabe conhecer, para que a cidade e o rio, olhos nos olhos, saibam ler aquilo que o seu silêncio significa."
Sem dúvida, uma poeta a ter em conta nos próximos tempos.
Tiago Moita.
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