sexta-feira, 20 de abril de 2007

TIAGO MOITA NO FILO CAFÉ "RITOS E RITUAIS"



No Filo Café de 24 de Março, esteve também presente o escritor e poeta Sanjoanense Tiago Moita, que aproveitou a sessão cultural no Clube Literário do Porto para intervir, apresentando algumas opiniões sobre um dos temas em discussão e declamando dois poemas sobre o tema do Filo-Café: um de Luiza Neto Jorge e outro da sua Autoria.

RITUAL

A jarra tombou

A água correu sobre a mesa

As flores calaram-se aos poucos

o espantalho tocou o acordeão

A criança cansou-se do vento

desatou as sandálias

O mar meditou duas vezes

qual o horizonte

Do sótão a galinha presa

viu um avião voar

Uns quantos vestiram-se de negro

viveram da morte dos outros

Suicidou-se uma sombra

debaixo do meu pé

A mulher vestiu-se de branco

para a Ressurreição

O país desbotou

no mapa das escolas

Amor que esperas de mim

a não ser eu.

LUIZA NETO JORGE, " Quarta Dimensão"

DÓLMEN

Longe é a distância

que o tempo guarda na sua memória

um silêncio que se despe

por detrás das sombras das palavras

um eco mudo estrebuchando

do umbigo de um espelho

uma lembrança por apagar

do suicídio de uma lágrima

Um sino toca no interior de uma gruta

um gesto devolve à terra a sua língua

uma luz dispara da garganta de um poço

para uma multidão com olhos de cera,

telhados de vidro debaixo de máscaras de plástico

de costas voltadas para um tempo

gasto pela usura dos seus ponteiros

Foi desligada a tomado do pensamento...

Cérebro em piloto automático...

A cerimónia começa com uma explosão de cores e de sons

um caleidoscópio cego, carregado de hipérboles e adjectivos,

dispara ordens em discurso directo

para o coração dos seus discípulos

O amor aparece sublinhado em legendas

por uma ejaculação precoce de sentidos

o sonho é um vampiro com asas de anjo

que suga da mente o sangue frio dos dias

Felicidade é uma promessa entregue a uma roleta russa

Verdade, uma palavra esquecida nas páginas de um dicionário

Últimas orações:

Uma moeda com uma palavra de fogo cai na ponta de cada língua

e um fio de água benta escorre da palma de uma mão invisível sobre testas de barro

o espírito desperta do sonho que fez de si próprio

o mundo despede-se dos olhos que o despiram

Fim da Emissão

TIAGO MOITA, 24-03-2007

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