"AS MÃES?"
Fossem estes dias que
brotasse.
Manchas de azul, um rasto de neve em pleno céu,
colmeias,
mel, uma exaltação de asas.
Mas é assim:
metais que revestem a pele e as armaduras,
bronze, ferro, formas que perduram, malhas, ameaçados
tecidos que nos moldam -
quem borda ainda,
quem se atreve à minúcia das rendas?
As mães?
Elas vinham cedo, eram como um rumor de levadas,
atravessando as terras.
Eram as mesmas mãos trabalhando sedas, afagos e
uma conspiração de cores e agulhas frias,
mães de silêncio bordando a treva e o sono, a longa
noite dos filhos.
Herdei uma beleza amarga,
o temor das sombras, de relâmpagos que embatiam
na infância,
no dorso das colinas,
no coração mais triste.
Um estrondo de muralhas, diques, batalhas que
deflagram
uma ciência aterradora:
não quero outra véspera de espadas, a coroação do
sangue,
patíbulos onde a cabeça se expande,
rolando como a poeira e os astros,
repercutindo como um sino no choro das mães.
Não quero um bordado de horas antigas
uma prece no tear das suas mãos -
eu sei como se fundem as teias,
as lágrimas de quando se morre -
eu sei que chove.
JOSÉ AGOSTINHO BAPTISTA
"Antologia Poética"
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