terça-feira, 26 de maio de 2015

POEMA "NO SORRISO LOUCO DAS MÃES" DE HERBERTO HELDER


"NO SORRISO LOUCO DAS MÃES"

No sorriso louco das mães batem as leves
gotas de chuva. Nas amadas 
caras loucas batem e batem 
os dedos amarelos das candeias.
Que balouçam. Que são puras.
Gotas e candeias puras. E as mães
aproximam-se soprando os dedos frios.
Seu corpo move-se 
pelo meio dos seus ossos filiais, pelos tendões
e órgãos mergulhados,
e as calmas mães intrínsecas sentam-se 
nas cabeças filiais.
Sentam-se, e estão ali num silêncio demorado e apressado,
vendo tudo,
e queimando as imagens, alimentando as imagens,
enquanto o amor é cada vez mais forte.
E bate-lhes nas caras, o amor leve.
O amor feroz.
E as mães são cada vez mais belas.
Pensam os filhos que elas levitam.
Flores violetas batem nas suas pálpebras.
Elas respiram ao alto e em baixo. São
silenciosas.

E a sua cara está no meio das gotas particulares 
da chuva,
em voltas das candeias. No contínuo 
escorrer dos filhos.
As mães são as mais altas coisas
que os filhos criam, porque se colocam 
na combustão dos filhos, porque 
os filhos são como invasores dentes-de-leão
no terreno das mães.
E as mães são poços de petróleo nas palavras dos filhos,
e atiram-se, através deles, como jactos
para fora da terra.

E os filhos mergulham em escafandros no interior
de muitas águas,
e trazem as mães como polvos embrulhados nas mãos 
e na agudeza de toda a sua vida.

E o filho senta-se com a sua mãe à cabeceira da mesa,
e através dele a mãe mexe aqui e ali,
nas chávenas e nos garfos.

E através da mãe o filho pensa 
que nenhuma morte é possível e as águas 
estão ligadas entre si 
por meio da mão dele que toca a cara louca
da mãe que toca a mão pressentida do filho.
E por dentro do amor, até somente ser possível 
amar tudo, 
e ser possível tudo ser reencontrado por dentro do amor.

HERBERTO HELDER
(1930-2015)
"Poesia - O Amor em Visita"
1958 

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