domingo, 11 de março de 2007

JOSÉ LUÍS PEIXOTO APRESENTOU "CEMITÉRIO DE PIANOS" EM SÃO JOÃO DA MADEIRA (09.02.2007)


José Luís Peixoto com a professora Cristina Marques

(Livraria Entrelinhas, São João da Madeira, 09.02.2007)

Nunca tive tanto orgulho em conhecer um escritor como o José Luís Peixoto. Ainda me lembro da primeira vez li o poema "Éramos cinco" do seu primeiro livro de Poesia "A Criança em Ruínas" de 2001, e tudo por causa de eu ter lido uma notícia no jornal Blitz onde Fernando Ribeiro, vocalista dos Moonspell, disse que o novo álbum da sua banda "The Antidot" (2004) foi baseado num livro deste escritor - que, até àquele ano de 2004, desconhecia por completo - chamado "O Antídoto." Desde esse ano, passei a seguir a sua vida e obra. Sonhei conhecê-lo pessoalmente e, naquela sexta-feira, dia 9 de Fevereiro de 2007, pelas 21H30 em São João da Madeira, o meu sonho concretizou-se.

A notícia da sua vinda à minha terra chegou aos meus ouvidos por intermédio do Ricardo Silva, dono da Livraria Entrelinhas. Nem queria acreditar. Segundo ele, foi possível entrar em contacto com a sua agente e convidá-lo a apresentar o seu mais recente romance "Cemitério de Pianos" na sua livraria. Dos meus colegas e amigos do grupo "Tarde e as Más Horas" lembro-me do brilhozinho nos olhos da Sara e da Juliana quando souberam da notícia.

Apesar do frio e da ameaça de chuva, o espaço onde se realizou a sessão estava cheio e com alguns jornalistas da comunicação social local presente. Outra coisa não seria de esperar dela uma vez que naquela noite, ia estar presente o primeiro escritor português contemporâneo, com idade inferior a 30 anos, a vencer o Prémio José Saramago no ano 2000 (tinha 26 anos nessa altura). A apresentação ficou a cargo de uma professora de língua portuguesa chamada Cristina Marques da Escola Secundária Oliveira Júnior (ex-n.º3), que, quando era estudante dessa escola "nunca mais a vi mais gorda."

"Cemitério de Pianos" é um livro sobre "filiação" e "pais que renascem nos filhos. Assumidamente autobiográficos, o romance deste escritor natural de Galveias, aldeia e freguesia do concelho de Ponte de Sôr e, segundo o autor de "Nenhum Olhar" um desabafo, 10 anos depois, sobre a morte do pai - um episódio que marcou profundamente a vida do escritor e que serviu de "faísca" para incendiar todas as suas ideias e que só agora conseguiu dar-lhe corpo na folha de papel, segundo ele.

Durante a apresentação, José Luís Peixoto confessou ter omitido esse trágico acontecimento no seu primeiro romance "Morreste-me." Conotado como um escritor das sombras e da morte, José Luís Peixoto afastou a interpretação literal que o título da obra pudesse suscitar nos leitores, chegando mesmo a afirmar, visivelmente cansado que "é o seu texto mais feliz porque ninguém morre no livro!". A história é narrada pelo "pai que está morto desde o início do livro" e pelo filho "que sabe que vai morrer", mas a última página acaba de ser lida e ele ainda está vivo. Ao estilo "lynchiano", o escritor arquitecta uma filiação complexa, aparentemente ilógica, a tal ponto que "as coisas misturam-se" e os dois narradores, pai e filho, confundem-se ou não tivessem ambos o mesmo nome: Francisco Lázaro. Tudo isto num romance que retrata gerações diferentes e relações familiares que vão "da ternura infantil à violência."

Cristina Marques considerou a escrita de José Luís Peixoto a uma "escrita labiríntica" que "precisaria de um quadro para ser explicada", salientou a professora. Segundo o romancista "este não é um livro para se perceber a lógica". A leitura deste livro de ver ser, segundo o autor, "impressionista e intuitiva" e é nessa atmosfera familiar, íntima, banhada pela mão taciturna da morte, mas acarinhada pela luz quente do afecto que se concertam pianos antigos, dando-lhes uma nova vida. Daí o renascimento, a continuidade das gerações, a ressurreição que pai e filho personificam e que os seus nomes desvendam: "Lázaro é a figura bíblica que Jesus ressuscitou," como salientou José Luís Peixoto. 

Para criar a personagem Lázaro, o escritor fez também um trabalho de investigação sobre o maratonista português Francisco Lázaro que faleceu nos Jogos Olímpicos de Estocolmo em 1912, após cumprir 30 quilómetros de corrida. Neste livro, José Luís Peixoto mudou-lhe a profissão e vez de mecânico de automóveis passou a carpinteiro e consertador de pianos. 

Sedento das múltiplas perspectivas que um mesmo o acontecimento pode proporcionar, o autor encarna uma e outra personagem demorando-se na descrição dos pormenores, como se observasse a partir de um microscópio. Entra nos próprios objectos, observados, misturando, confundindo quem analisa e quem é analisado. Por isso, Cristina Marques destacou a estranha utilização intensiva, quase obsessiva, dos dois pontos. Como se "quisesse continuamente entrar, especificar ainda mais." Contudo, José Luís Peixoto acaba por se mostrar surpreendido, confessando não ter sido intencional o uso excessivo desse sinal de pontuação. 

Ao longo da sessão foram colocadas várias perguntas ao autor sobre as obras passadas os seus diferentes géneros literários, que vão desde o romance à Poesia, passando pelo conto e pelo teatro e sobre os seus outros trabalho, enquanto escritor de letras para bandas como os Moonspell, José Luís Peixoto confessou que a música é, para ele, um refúgio, uma forma de conseguir encontrar a solidão tão desejada para a escrever, Quando lhe perguntaram por que é que o seu romance demorou quatro anos a ser escrito (ficou concluído no ano passado), José Luís Peixoto justificou o atraso derivados a "diversos compromissos profissionais do autor", nomeadamente a produção de duas peças de teatro e um livro de contos.

Finda a sessão, houve a habitual sessão de autógrafos e troca de impressões com o escritor. Eu não fui uma excepção à regra e pedi-lhe um autógrafo ao meu exemplar do seu primeiro livro de Poesia. No fim, ofereci-lhe um poema escrito por mim em sua homenagem e recebi um abraço caloroso da sua parte. Ganhei o dia.

Tiago Moita 
11.03.2007 

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