domingo, 18 de março de 2007

UM OLHAR SOBRE O PASSADO: A APRESENTAÇÃO DO PRIMEIRO LIVRO DE POESIA DE SARA COSTA (10.12.2004)




A MELANCOLIA, SEGUNDO SARA COSTA

A melancolia não escolhe tempo ou lugar para expressar a majestade da sua magnitude e a beleza da sua ruína. A expectativa era tão grande naquela noite de sexta-feira, dia 10 de Dezembro de 2004, quanto a afluência do público que se deslocou à Biblioteca Municipal Dr. Renato Araújo em São João da Madeira, para assistir à sessão de apresentação do primeiro livro de Poesia da minha amiga poeta Sara Costa "A Melancolia das Mãos e Outros Rasgos" (Pé de Página Editora, 2004). Grande parte das pessoas já se encontravam dentro do edifício. Apenas alguns amigos da Sara ficaram na imediações.

A sessão contou com a presença de muitos familiares, colegas da Escola Secundária Serafim Leite, amigos, conhecidos e alguns curiosos, ansiosos por assistir à apresentação do primeiro livro da jovem poeta. - Por momentos julguei ver, entre os presentes, o célebre poeta Manuel António Pina. Infelizmente, tudo não passou de um mal-entendido.

A sessão contou com a ausência forçada (e misteriosa, naquela altura) do Dr. Manuel Córrego (Pseudónimo literário do Doutor Manuel Pereira da Costa, o maior e mais ilustre escritor contemporâneo sanjoanense) e a presença do doutor Rui Costa, vice-presidente da Câmara Municipal de São João da Madeira e vereador da Cultura, que congratulou a edição da primeira obra de Sara Costa bem como a vitória que obteve no Prémio Literário que permitiu a sua edição. 


Logo após a intervenção do autarca, segui-se a vez do doutor Rui A.Grácio, director da Pé de Página Editora tomar a palavra para falar um pouco mais da autora e da sua primeira obra, passando logo de seguida a palavra para a doutora Isabel Vaz, directora da Cooperativa Editorial "Arte-Viva", que não só se limitou a falar do mesmo que falaram os anteriores interlocutores como salientou o facto curioso de esta jovem poeta ter ganho o Prémio Literário Serra da Lousã - prémio que garantiu a publicação do seu primeiro poemário - com apenas...15 anos (!) Um caso inédito mas nada insólito na literatura universal.

O seu amigo e poeta Oliveirense Luís de Aguiar foi quem fez, na minha opinião, o melhor discurso da noite. Fez uma análise analítica e tecer rasgados elogios e comentários positivos e construtivos à obra da sua amiga, considerou o seu primeiro livro de Poesia "interessante", entre outros aspectos, e - pasme-se - fez uma comparação do percurso da poeta com o poeta do (grande) poeta francês Artur Rimbaud. A Sara, por motivos, na altura, desconhecidos, limitou-se a fazer os agradecimentos da praxe.

Segundo a poeta, numa declaração que fez ao jornal semanário sanjoanense "Labor", o seu livro não está enquadrado numa temática específica. Para Sara, a nudez dos seus poemas são uma manifestação de símbolos e a personagem principal do seu livro é o sujeito lírico, uma espécie de vulto que se movimenta entre emoções altamente instáveis para a "poetizar" os elementos mais prosaicos do quotidiano. O título escolhido - extraído de um poema do livro "Sem Título e Bastante Breve" de Al Berto - deveu-se ao facto de Sara Costa entender que as mãos serem responsáveis pela maioria da laboração humana concreta, tanto da mais trivial como da mais sublime, e, por isso, a poeta entende que transportam consigo uma certa melancolia. Relativamente aos "Rasgos" explicou o seguinte: "São os poemas que acrescentou posteriormente."

Para terminar, Sara declarou que, neste poemário, apresentou uma visão bastante pragmática acerca da inspiração. A poeta chegou mesmo a afirmar que "não é defensora nem acredita na existência de uma inspiração que transcende o homem" e que "escreve porque o universo literário me estimula intelectualmente e escrevo sempre que tenho tempo", concluiu.

Deixo-vos com um dos poemas e a capa do livro da minha amiga.

Parabéns Sara!

Tiago Moita.


"O AZUL DAS SOMBRAS"

Não sei se foi a tonalidade azul do meu corpo
tingido pelo teu olhar 
ou os segredos de lâmina 
que te queimavam as feições vítreas.

A verdade é que todos os gestos se calaram à tua passagem
mas, ainda assim, eu sabia da existência de um timbre negro 
que fervilhava à mesma altura dos sonhos.

A partir daqui nenhuma lágrima teve o feitio de antes
e só consigo escrever letras agudas
as que isolam o passado da vida.

Comparo a escrita a uma caneca de vinho
que destila memórias
até que estas tenham a dimensão de um silêncio estreito.

Deixei um recado aceso no teu sono 
porque a música acabou antes da noite
e nuca mais falaremos um do outro.

Fecho-me em casa a praticar uma arte marcial desconhecida.
Sei que o mundo desliza delicadamente para os jornais
e isso basta-me.

Pega num pedaço destes versos e coloca-o junto aos ouvidos:
é por baixo desta paixão áspera 
que te dedico o meu terror.

As pálpebras gritam o peso de um oceano.

O mundo fuma a minha morte.

SARA COSTA
"A Melancolia das Mãos e outros rasgos"
Pé de Página Editora
2004

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