quarta-feira, 7 de abril de 2021

UMA JANGADA PARA NO MEIO DE UM OCEANO (Tiago Moita)


UMA JANGADA PARADA NO MEIO DE UM OCEANO.

Quantas vezes ficaste a olhar para uma folha em branco ou para o ecrã do teu computador ou smartphone à espera de uma palavra, uma ideia, um rasgo de génio capaz de desenvolver um poema ou um texto de um romance, um conto ou simplesmente um conteúdo para criar ou actualizar um site ou blog de um cliente teu muito importante?

Para quem já está habituado a fazer da escrita o seu ofício, a página em branco – seja ela física ou virtual – é um desafio emocionante e tentador. Para dar asas à imaginação e soltar as rédeas à criatividade que fervilha e pulsa dentro de cada um de nós. Para quem não está, a simples revelação da nudez branca de uma página ou o silêncio de um documento de texto aberto podem representar um medo tão poderoso e angústia como o medo de um náufrago numa jangada parada e perdida no meio de um oceano.

Momentos de estagnação, como estes que acabei de mencionar no parágrafo anterior, estão sempre a acontecer e os autores mais experientes não estão isentos de serem apanhados por eles. Isto faz-me lembrar uma estória de um menino que uma vez encontrei a chorar porque tinha perdido as chaves de casa. “Senhor! Senhor!”, disse ele para mim. “Por acaso não encontrou no chão um molhe de chaves? Perdi as chaves da casa onde moro e preciso de encontrá-las. Os meus pais foram trabalhar para longe da cidade e só regressam à hora do jantar. Ainda por cima deixei o meu telemóvel em casa para carregar a bateria.”

Sabem o que eu lhe disse? “Põe-te do lado das chaves que andas à procura e pensa que elas estão a jogar às escondidas contigo. Se fosses o molhe de chaves que andas à procura onde é que te escondias?”

O menino estranhou o meu pedido mas assentiu e começou a pensar como se fosse o objecto que andava à procura. Sabem o que aconteceu? Ele começou a rever o trajecto que fez da mercearia onde foi fazer uma compra para a sua mãe até ao lugar onde nos encontrámos e acabou por encontrar o molhe de chaves que andava, desesperado, à procura, a poucos metros do lugar onde estávamos.

Quando escolhemos criar qualquer coisa de acordo com o nosso ponto de vista corremos o risco de isolarmos a mais remota ideia, a mais singela hipótese ou até mesmo a mais pequena pista para desenvolvermos algo potencialmente criativo, tudo por causa de estarmos sempre a pensar do nosso ponto de vista, mas, se nos abandonarmos por uns momentos e começarmos a ver aquilo que andamos à procura do ponto de vista de objecto de toda a nossa atenção, podemos, sem querer, encontrar o tal golpe de asa, a tal palavra, a tal ideia de génio que precisamos para ultrapassar o estado de estagnação em que nos encontramos e passarmos a ser um oceano de oportunidades e de criatividade em vez de uma jangada vazia e parada num oceano.”

TIAGO MOITA

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